Especialistas defendem recuperação de córregos, mas canalização é mantida

Ernesto Braga
eleal@hojeemdia.com.br
03/04/2016 às 18:19.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:46

A expectativa de que a situação de vários quilômetros de córregos em Belo Horizonte pudesse ter um caminho diferente, após a aprovação na Câmara de Vereadores de um projeto de lei que proíbe a canalização, foi por água abaixo. No último sábado, foi publicado no Diário Oficial do Município o veto total do prefeito Marcio Lacerda ao texto.

Alegando ilegalidade e inconstitucionalidade, a decisão derruba o que era considerado por ambientalistas uma alavanca para a qualidade de vida em Belo Horizonte. O PL também previa investimentos na recuperação de cursos d’água que continuam correndo em leito natural e a revitalização das áreas verdes que sobraram em volta deles.

Especialistas no crescimento da metrópole e em meio ambiente advertem que seria um importante passo para reverter o quadro grave de poluição dos córregos, provocado pelo processo histórico de canalização em BH. Além disso, contribuiria para a oferta de novas áreas verdes a moradores e quem visita a capital.

O geógrafo Alessandro Borsagli pesquisa as transformações urbanas de BH há mais de dez anos. Em fevereiro, ele lançou o livro “Rios invisíveis da metrópole mineira”, com a cronologia da canalização dos cursos d’água desde a construção da capital (1893 a 2015). 

Borsagli destaca que as justificativas para “encaixotar os rios debaixo do asfalto” sempre foram impedir esgoto correndo a céu aberto, evitar inundações e abrir vias para aliviar o trânsito. “Falta planejamento desde sempre. Cursos d’água são escondidos da paisagem há duas gerações. O método ultrapassado apontado como solução para o saneamento básico, na prática, potencializa as enchentes”, critica.

"O vereador Arnaldo Godoy (autor do projeto de lei que proíbe a canalização de córregos em BH) precisa levar a proposta ao interior, por meio da Assembleia Legislativa”Apolo Heringer LisboaAmbientalista

Tendência mundial

Conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG), Sérgio Myssior também defende o fim da canalização dos córregos para a criação de avenidas sanitárias e para o que ele chama de “expansão rodoviária”. 

“O correto é revitalizar os cursos d’água, com a recomposição das matas ciliares e criação de parques lineares. O mundo caminha no sentido oposto à canalização”, aponta. Ele cita como exemplo o rio Cheonggyecheon, em Seul, na Coreia do Sul, transformado em área verde após a demolição de um viaduto que cobria o canal.

Casos semelhantes na Alemanha e Suíça são lembrados pelo médico e ambientalista Apolo Heringer Lisboa. “Os córregos têm vida, ciclos, matas ciliares, nascentes, e precisam ser reincorporados ao cenário urbano. As cidades onde eles correm em leito natural, com ações que mantenham a água limpa, são enriquecidas em qualidade de vida”, ressalta o professor da UFMG e idealizador do Projeto Manuelzão.

A obra “Rios invisíveis da metrópole mineira” pode ser adquirida em curraldelrey.com

Mais investimento no Drenurbs 

Criado com a proposta de despoluir os cursos d’água, reduzir risco de inundação e integrar os recursos hídricos naturais ao cenário urbano de BH, o programa Drenurbs é apontado por ambientalistas e pesquisadores como alternativa à canalização dos córregos. No entanto, na avaliação dos especialistas ouvidos pelo Hoje em Dia, os investimentos no conjunto de ações estão muito aquém do necessário.

“O Drenurbs foi criado em 1998, com a minha intervenção, na gestão do prefeito Célio de Castro. Porém, ele foi completamente mudado e atualmente só prevê a canalização”, diz o médico Apolo Heringer Lisboa. Quando o programa foi implementado, ele era secretário Municipal de Saúde de BH.

Sérgio Myssior defende a continuidade do Drenurbs que, segundo ele, poderia complementar a proibição da canalização dos córregos. “A conservação dos cursos d’água é um desafio ainda maior, e o programa é um mecanismo que viabilizaria isso. Porém, caminha a passos lentos, perdeu força”, lamenta o arquiteto.

Mesma crítica faz o geógrafo Alessandro Borsagli. Ele compara o programa criado na capital mineira a medidas adotadas em São Paulo para a recuperação de cursos d’água em leito natural, que se tornaram referência no país. “O Drenurbs, no entanto, está completamente parado”, afirma.

Intervenções

Por meio de nota, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) informou que “nos últimos anos a Prefeitura de BH vem executando em todo o município intervenções de prevenção e combate a inundações”.

“Já foram investidos R$ 1,29 bilhão (em empreendimentos concluídos a partir de 2009 e que estão em andamento) e estão assegurados R$ 1 bilhão para execução de outros empreendimentos”, destaca.

Segundo a Sudecap, futuras intervenções previstas nos principais pontos de inundações estão contempladas com recursos aprovados junto ao governo federal.

Entre as principais estão obras nos córregos Ressaca (em andamento), dos Pintos (previstas para serem licitadas neste semestre), implantação da bacia de detenção de cheias no bairro Calafate e retirada de famílias vulneráveis a inundações para implantação de parque linear junto ao ribeirão do Onça.

 

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