Expansão de vagas leva Conselho federal a propor nova avaliação dos cursos de medicina

Raquel Ramos - Hoje em Dia
07/09/2015 às 07:14.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:40
 (Frederico Haikal / Hoje em Dia)

(Frederico Haikal / Hoje em Dia)

Minas Gerais viu a quantidade de cursos de medicina crescer em ritmo intenso nos últimos anos. Em apenas uma década, pelo menos 15 novas instituições foram autorizadas a abrir as portas no Estado, aumentando para 39 o número de graduações na área. A rápida expansão das escolas – fato que se repete em outras partes do país – é vista com desconfiança pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Além de colocar em xeque a qualidade de várias faculdades, o órgão quer implantar um método próprio de avaliação do ensino.   A maior preocupação recai sobre as unidades da rede privada. Segundo a pesquisa “Radiografia das Escolas Médicas do Brasil”, cujos resultados foram divulgados na semana passada, a criação de novas graduações pagas no país foi duas vezes maior em relação à abertura de cursos públicos, entre 2003 e 2015.   Parte dessas faculdades, porém, não tem condições de oferecer boa formação aos alunos, diz o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), Fábio Guerra. O despreparo do corpo docente e projetos pedagógicos em desacordo com as diretrizes determinadas pelo MEC são problemas comuns no Estado.   “Também há instituições sem um hospital-ensino. Acabam assinando convênios com estabelecimentos de saúde para que os estudantes façam estágio. Em alguns casos, mais de uma faculdade recorre ao mesmo hospital, o que prejudica o aprendizado”, exemplifica.   Para a coordenadora da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem), Suelen Nunes, as falhas acontecem porque interesses financeiros são colocados à frente da educação. “Mesmo com as mensalidades altíssimas, o ensino é fraco em várias instituições.   Vistoria   Diante dessa situação, o CFM quer verificar, por conta própria, se requisitos mínimos para a formação dos futuros profissionais estão sendo cumpridos. A ideia é iniciar, ainda neste ano, visitas às faculdades de medicina para analisar o projeto pedagógico, o nível dos docentes e a infraestrutura oferecida. Os resultados serão divulgados aos alunos.   Embora bem-intencionado, o efeito do programa – batizado de Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (Saeme) – é limitado. A participação das unidades de ensino é opcional e o teste não terá poder regulatório ou punitivo.   “Entendemos que as instituições que quiserem melhorar o serviço oferecido vão aderir ao Saeme”, diz o presidente do CRM-MG, Fábio Guerra.   Mais Rigor   O governo federal também vê a necessidade de aprimorar os métodos de avaliação do ensino superior. As mudanças para as escolas de medicina já foram anunciadas: a partir de janeiro, todos os cursos da área serão avaliados in loco e os alunos passarão por exames anuais (a prova será aplicada a estudantes do 2º, 4º e 6º ano).   Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), essas adequações são motivadas pelas novas diretrizes curriculares, que, em 2015, passaram a reger os cursos de medicina de todo o país.   Entre as novidades em vigor desde o início do ano está a obrigatoriedade de que 30% da carga horária dos alunos seja cumprida no Sistema Único de Saúde (SUS), ampliando os conhecimentos dos estudantes nos serviços de atenção básica aos pacientes e nos atendimentos de urgência e emergência.     Nota baixa em conceito preliminar pode levar a punição severa   Deficiências graves já colocaram diversas graduações de medicina mineiras sob processo de supervisão especial do MEC. Somente em 2011, nove escolas – todas particulares – foram “punidas” com medidas cautelares para correção de falhas.   As penalidades, como suspensão do ingresso de novos alunos, foram aplicadas após as faculdades ganharem notas baixas no Conceito Preliminar de Curso (CPC), método que mede a qualidade do ensino a cada três anos.   Dentro de um prazo estipulado pelo governo federal, sete instituições investiram em melhorias, atendendo às exigências do Ministério da Educação. Por outro lado, uma escola foi descredenciada por não tomar providências.   Já a Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), de Juiz de Fora (Zona da Mata), repetiu o desempenho ruim na avaliação de 2014.   Nesse mesmo ano, o exame do MEC “bombou” outros três cursos de medicina de Minas. Dois privados e um federal: a Universidade José do Rosário Vellano (Alfenas), o Centro Universitário de Caratinga (Unec) e a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).   Respostas   Procurado pelo Hoje em Dia, a Unipac de Juiz de Fora não comentou o assunto, assim como a Unifenas.   Pró-reitor de ensino do Unec, Roberto Barbieri informou que essa foi a primeira vez que a escola teve problemas com o MEC. “Desde então, melhoramos nossos laboratórios e biblioteca, o que já fazíamos sistematicamente. Acredito que a nossa nota baixa tenha sido provocada por um boicote ao Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), que é um critério de peso no CPC”.   Essa foi a mesma justificativa da UFSJ. Em nota, a universidade explicou que a infraestrutura, os laboratórios de ensino e a qualificação do corpo docente receberam nota alta dos especialistas do Ministério da Educação. Os resultados das provas do Enade, porém, prejudicaram o resultado do curso.   Referência no ensino de medicina, UFMG enfrenta crise   Uma das poucas escolas mineiras a conquistar nota 4 no Conceito Preliminar do Curso – em uma escala que vai de 1 a 5 –, a UFMG passa por um momento de crise. Recursos escassos, desde o início do ano, forçaram a graduação a fazer cortes, mantendo apenas as atividades essenciais.   “As verbas estão demorando a chegar. Isso traz limitações, mas, até agora, o ensino ainda não foi prejudicado. Espero que a situação se resolva para que a formação dos nossos alunos não fique comprometida”, afirma a coordenadora do curso de medicina, Alamanda Kfoury. Segundo ela, os problemas também afetam o Hospital das Clínicas, que pertence à UFMG. A dificuldade para comprar materiais, por exemplo, tem atrapalhado o serviço.   No topo   Apesar desses entraves, Alamanda acredita que a instituição continua referência nacional no ensino de medicina. A prova está no bom desempenho nas avaliações do MEC.   “Os critérios para escolher o quadro de docente é rigoroso. Não basta titulação. Eles precisam ter experiência profissional”, diz. O nível dos alunos, na opinião dela, também é alto – resultado de um disputado processo de seleção.

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