Famílias de pacientes internados no Hospital das Clínicas de BH são vítimas de golpista

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
09/11/2017 às 20:24.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:37
 (Pedro Gontijo/Hoje em Dia)

(Pedro Gontijo/Hoje em Dia)

Familiares de pacientes internados no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG), em Belo Horizonte, estão sendo vítimas de um golpista. Pelo menos cinco pessoas receberam ligações telefônicas, só nesta semana, de um suposto médico cobrando R$ 1.500 para a realização de exames.

A estratégia ardilosa consiste em aproveitar o momento de fragilidade da família para tentar convencer parentes do doente a pagar por um serviço que é custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Acompanhantes ouvidos pela reportagem garantem que mais pessoas foram contactadas. O hospital confirmou os relatos e reforçou que só atende pelo SUS. Nenhum pagamento deve ser feito. 

Farsante tenta convencer a vítima sobre a necessidade de um novo procedimento que não seria coberto pelo SUS, e que deveria ser pago e realizado em hospital particular

Na mira do bandido

O roteiro é sempre o mesmo. Um homem, que se apresenta como doutor Marcelo, telefona para os responsáveis pelo paciente. O golpista informa o nome completo do internado e dos acompanhantes. Em seguida, relata à família que o doente teve uma piora.

O falso médico garante que os últimos exames indicam leucemia, mas, para comprovar o câncer, afirma, é preciso novo teste. Segundo o farsante, os custos não seriam cobertos pelo SUS, obrigando a realização do procedimento em um hospital particular. Por último, o estelionatário passa os dados da conta bancária.

“Estava no carro, indo para o hospital, quando o homem me ligou. Ele disse que iriam suspender todos os medicamentos da minha filha, suspeitavam que ela estivesse com leucemia. Também disse que sentia muito, mas, se eu não autorizasse o exame, ela ficaria sem remédios e poderia até morrer”, relata a pensionista Tânia Rocha Gonçalves, de 62 anos. “Fiquei desesperada. Minha filha estava se recuperando da retirada de um câncer no cérebro. Ela parecia bem, e aí me dizem que corre risco de morte”.

Uma mulher, que pediu para não ser identificada, acompanha o marido no hospital desde setembro. Ela recebeu a ligação na última terça-feira. “Meu esposo tinha acabado de fazer traqueostomia e eu estava preocupada. Conversei com o tal médico, pedi para nos encontrarmos. Ele disse que não, mas eu já estava considerando transferir o dinheiro quando a ligação caiu”.

 

Cartazes foram colocados no CTI do Hospital das Clínicas; material informa às pessoas sobre os golpes


Assim que a chamada foi interrompida, ela entrou em pânico. “Tentei ligar de volta, mas não me atendia. Fiquei muito nervosa”, diz. Minutos depois, o farsante retornou e insistiu no procedimento. A sorte foi o criminoso ter cometido um deslize. “Ele disse que se meu marido fizesse o exame teria 100% de garantia de cura. Fiquei pensando: gente, como um teste pode curá-lo? Aí, percebi que era golpe”.

O estelionatário passou às vítimas dados de agências da Caixa Econômica Federal em Rondonópolis, no Mato Grosso, e do Santander, em Santa Cruz do Capibaribe, Pernambuco. A reportagem tentou contato com o farsante em dois telefones, mas ninguém atendeu às ligações.

24 crimes de estelionato são cometidos diariamente em BH; de janeiro a agosto deste ano foram 5.925 ocorrências, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública 

Orientação

No Hospital das Clínicas da UFMG, cartazes foram pregados nas portas dos CTIs alertando os acompanhantes sobre o golpe.

A unidade de saúde afirma que orienta pacientes, acompanhantes e familiares a registrarem denúncias na ouvidoria da instituição. Até agora, duas queixas foram protocoladas.

Para obter dados, estelionatário se passa por agente de saúde

O acesso aos dados dos pacientes é restrito aos funcionários dos hospitais. Ainda assim, golpistas têm obtido informações sigilosas sobre identificação e estado de saúde de quem está internado. Segundo o delegado Rodrigo Bustamante, chefe da Divisão Especializada de Investigação de Fraudes da Polícia Civil de Minas, os estelionatários adotam um procedimento padrão. 

Os criminosos ligam para os setores administrativos dos hospitais e se passam por médicos ou enfermeiros que atendem no CTI. “Só as pessoas vinculadas ao hospital têm esses dados”, garante o delegado. Segundo ele, as informações podem vazar por meio de um funcionário que repassa os dados a terceiros por total despreparo. Mas também podem ocorrer situações em que o profissional da instituição esteja envolvido no golpe.

“Meu cunhado recebeu a ligação e me telefonou na hora. Eu gelei da cabeça aos pés. Achei que minha irmã fosse morrer. Fiquei suando frio. Foi horrível” (Irmã de uma paciente)

Penalidades

Nos casos de falha, a responsabilidade é da unidade de saúde. Conforme Bustamante, cabe aos hospitais reparar possíveis danos provocados às vítimas. Já a participação de um funcionário no crime pode levá-lo a ser enquadrado por estelionato. A pena varia de um a cinco anos de prisão. O policial reforça a necessidade de os hospitais estabelecerem um protocolo de segurança. 

O Hospital das Clínicas informou ter um manual do tipo. Conforme a política do centro de saúde, é “expressamente proibido passar dados de internos a terceiros por telefone, mesmo que a pessoa se identifique como médico ou agente de saúde”, afirma a instituição.

Além disso, o HC/UFMG instaurou processos administrativos para apurar se há falhas no processo de trabalho. 

“Solicitamos às vítimas que nos procurem para comunicar o fato. Aí, com apenas um registro, já podemos dar início ao procedimento investigatório”, diz o delegado Rodrigo Bustamante.

“Eu disse para eles que isso era golpe, que estava dentro do hospital, do lado da minha filha e dos médicos. O tal do doutor Marcelo desligou na minha cara” (Mãe de uma paciente)

Parente deve prestar queixa e ficar atento a atitudes suspeitas

Além de protocolar a queixa, qualquer familiar de paciente internado, em hospital público ou privado, deve ficar atento às ações de estelionatários. Ao receber uma ligação suspeita pedindo dados pessoais e conta bancária, é essencial não repassar os dados sem verificar a procedência da chamada diretamente com a administração do hospital.

“A Polícia Militar orienta a todos a não tomarem qualquer decisão precipitada, sendo que, de imediato, a direção da unidade de saúde deverá ser contatada pessoalmente. Caso constate qualquer irregularidade na chamada, a vítima deve acionar os militares pelo 181”, informa a PM. 

A Caixa Econômica Federal afirma que informações sobre eventos criminosos são repassadas exclusivamente às autoridades policiais. O banco reforça que disponibiliza orientações de segurança na internet e em agências “com o objetivo de alertar clientes quanto a golpes, seja por e-mail, spam, sites falsos ou por telefone”.

Já o Santander informou que, “preventivamente, a respectiva conta corrente mencionada encontra-se indisponível para qualquer tipo de movimentação. A instituição está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações”.

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