Famílias levam carinho e afeto a jovens que moram em abrigos da capital

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
20/11/2017 às 11:06.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:47
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Na casa da administradora Glenda Versiani, de 40 anos, a árvore de Natal já está montada. Todo ano, ela, os filhos e o marido enfeitam a residência do bairro Buritis, região Oeste de Belo Horizonte, não só para celebrar a data, mas também comemorar a chegada de um novo membro da família. Há quase duas décadas, eles apadrinham jovens que vivem em abrigos da capital durante as festas de fim de ano.

No lar temporário, o afilhado ganha um quarto e, o mais importante, carinho e afeto de sobra. A família de Glenda participa da campanha de apadrinhamento de Natal do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) desde que a iniciativa foi lançada, há 18 anos.

Em 2017, a campanha de Natal do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) visa, principalmente, adolescentes; interessados em acolher os jovens durante as festas de fim de ano têm até 30 de novembro para fazer o cadastramento

No projeto, voluntários compartilham datas festivas e fins de semana com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Neste ano, o cadastramento para o Natal termina em 30 de novembro. “Muitas vezes, esses meninos ficam sozinhos, então o apadrinhamento os ajuda a ver pessoas diferentes e conviver em sociedade”, conta Glenda Versiani. Ela e os parentes não fazem distinção de sexo, idade ou procedência dos menores. Até hoje, 15 jovens, de 4 a 17 anos, já foram apadrinhados. 

Em 2017, a campanha do Cevam visa principalmente adolescentes, que não recebem tantas oportunidades quanto as crianças, segundo o presidente do órgão, o advogado Ananias Neves Ferreira. A ideia, segundo ele, é que o encontro de Natal abra as portas para uma relação permanente entre padrinhos e afilhados. 

“O apadrinhamento dá um norte à vida desses jovens, que passam a se sentir pertencentes a algum lugar. Eles podem compartilhar o desenvolvimento moral e afetivo com essa família de referência”, acrescenta a psicóloga Andréia Emílio dos Santos, que trabalha com menores em situação de vulnerabilidade.

Corrente do bem

Após anos pegando cartinhas de Natal escritas por crianças na campanha dos Correios, a engenheira mecânica Mayra Diniz Arrieta, de 27 anos, e o marido Felipe Raul Arrieta, de 47, decidiram ampliar a solidariedade. Essa será a primeira vez que o casal receberá um jovem que vive em um abrigo na residência deles. “Apesar de gostarmos de comprar os presentes, nós nunca víamos a reação das crianças”, conta.

“Passar o Natal na casa de um padrinho nos ajuda a ver que não somos diferentes. Podemos ter uma família e nos divertir também”Bárbara Martins*

Mayra soube da possibilidade de acolhimento ao conversar com a amiga Nayara Dias Andrade, de 28 anos, que apadrinhou, em 2014, o pequeno Rafael Oliveira, que tinha só 4 anos na época. Meses depois, o garoto e o irmão foram adotados e se mudaram para outro Estado. No entanto, a relação só ficou mais forte com a distância. Nayara foi convidada para ser madrinha de batismo do garoto e, desde então, o visita todos os anos.

“Passei o último Ré-veillon com a família nova dele. Nós invertemos a relação. Acredito que esse amor é bastante representativo para essas crianças. O pouco que doamos significa muito”, lembra Nayara.Flávio Tavares / N/A

Nayara acolheu um garoto em 2014 e, desde então, mantém os laços unidos

Acolhidos relatam experiências e sonham com um futuro melhor

Pela primeira vez, Maria Clara* passará o Natal com os novos pais. Aos 17, a órfã está concluindo um processo de adoção. Ela é uma das moradoras do abrigo Casa Esperança I, no bairro Alípio de Melo, região Noroeste, que aceita meninas entre 12 e 17 anos. 

Há três anos, Maria Clara é apadrinhada por uma voluntária. Quando passou o primeiro Natal com a madrinha, chorou na hora de voltar para o abrigo. “Fiquei triste porque foi tão bonito estar com uma família”, conta.

“Foi tão bonito estar com uma família (no Natal). Fomos ao sítio, ao clube, passeamos. Eu não queria me separar”Maria Clara*

 Bárbara Martins*, de 16 anos, também vive na Casa Esperança I. Ela dança balé, hip hop, faz aulas de teatro e gosta de fotografia. Bastante comunicativa, a jovem sonha em estudar artes cênicas em uma universidade pública e se tornar atriz. 

Em 2013, a vida dela ganhou novas cores após ser apadrinhada. Desde então, datas comemorativas são mais divertidas. “Sempre saímos e passeamos. Sei que tenho com quem contar quando preciso. Faz uma diferença enorme ter pessoas próximas de mim”, conta Bárbara Martins.

Último Caso

Apesar de todos os benefícios, o apadrinhamento só acontece em um último caso. Uma criança só participa do processo quando não tem parentes para se relacionar. 

“Priorizamos fortalecer e trabalhar os vínculos familiares. Só recorremos aos padrinhos em situações nas quais realmente não há como inseri-los na própria família”, explica a assistente social Ângela Amerícia Leite, que trabalha com adolescentes abrigadas na cidade.

Psicólogo e especialista em análise do comportamento, Fabiano Loureiro trabalha há 15 anos com esse público. Ele afirma que o apadrinhamento funciona como uma alternativa às famílias que abandonaram, violentaram ou negligenciaram os direitos das crianças.

Conforme Fabiano Loureiro, a família é o primeiro espaço de convivência. “É onde a criança aprende e vai incorporar valores éticos, onde há a vivência afetiva, se cria o juízo de valores e as expectativas”, diz.

*Nomes fictíciosEditoria de Arte / N/A

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