Guerra pela água: escassez motiva embates em torno da utilização do recurso no Estado

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
02/06/2017 às 21:03.
Atualizado em 15/11/2021 às 17:18
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Nos mapas, Minas esbanja potencial hídrico com mais de dez mil cursos d’água e quase 10% de todos os rios e lagos brasileiros. Mas, na realidade, a fartura se esvai em uma verdadeira batalha travada entre população e empresas pela utilização do recurso. Na última década, o Estado foi palco de pelo menos 175 conflitos, envolvendo quase 21 mil famílias.

Minas lidera as disputas por água no país. Só no ano passado, foram 58 casos por aqui e 172 no território nacional, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os números de 2016 bateram o recorde tanto no Estado quanto no Brasil, mostra a entidade, que registra esse tipo de conflito desde 2002.

A guerra pela sobrevivência em contexto de crise hídrica é tema da série de reportagens iniciada hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, pelo Hoje em Dia. De acordo com Ruben Siqueira, membro da Coordenação Nacional da CPT, a falta de água é a principal justificativa para o aumento dos conflitos entre empresas e comunidades. 

Para entrar nessa estatística, é preciso mais do que ter um atrito em curso. As comunidades afetadas têm que se manifestar, seja por meio de ações coletivas ou denúncias, junto ao poder público.

Invisíveis

O levantamento é um indicativo do tamanho do problema, mas outros incontáveis casos ocorrem diariamente no Estado sem entrar para as estatísticas. Nas comunidades de Piedade do Paraopeba e dos Marques, ambas distritos de Brumadinho, na Grande BH, por exemplo, a batalha pela água já dura alguns anos, e vem se intensificando com o passar do tempo. Antes rica em água potável, a região sofre de escassez hídrica.

O córrego do Carrapato, que abastecia as casas, praticamente deixou de existir. É possível caminhar em um dos pontos por onde corria a água. Como consequência, a cachoeira, em outra área do município, está com apenas um fio d’água.

O líder comunitário Geraldo Alcir Guimarães credita essa situação à Vallourec, mineradora que explora a Mina de Pau Branco, instalada na região, desde a década de 1980. “A empresa vem rebaixando o lençol freático. Com isso, três minas de água que abasteciam a comunidade secaram”, lamentou.

Já o Grupo Vallourec afirma que tem um compromisso com o desenvolvimento sustentável e trata a água como prioridade. “A unidade Mineração, por exemplo, reaproveita mais de 70% da água utilizada em seus processos”, disse a empresa em nota.

Enquanto isso, moradores de Piedade, como Sônia das Dores Aguiar Santos, de 60 anos, economizam água o quanto podem na certeza de que ela vai faltar. “Ficamos sem ela direto aqui. É só chegar em julho que começa, e a prefeitura manda caminhão-pipa para nós”, conta.

Nesse cenário, os habitantes do distrito têm receio de a Mina de Serrinha começar a ser explorada. Comprada pela mineradora Ferrous em 2007, não teve projetos viabilizados porque se localiza em uma área de proteção ambiental. O caso está sendo contestado na Justiça. 

O temor, segundo Cleverson Ulisses Vidigal, membro da ONG Abrasce a Serra da Moeda, é de que a exploração do local afete a nascente Mãe d’Água, a principal da região, o que pode comprometer o abastecimento de dez mil residências. Procurada, a Ferrous não se pronunciou sobre o assunto. 

“O mundo sempre teve guerras pelo uso da água. E o Brasil, que tinha relativa tranquilidade, agora tem muitos focos de tensão” (Rubem Siqueira, membro da coordenação nacional do CPT)

População entra na Justiça para barrar ampliação de projeto

A ampliação de um megaempreendimento capaz de gerar empregos normalmente é comemorada entre moradores. Não no caso do Minas-Rio, da Anglo-American, em Conceição do Mato Dentro, região Central de Minas. Lá, a comunidade teme ficar completamente sem água se a fase três do projeto sair do papel. 

“Já falta água em toda a região. Quando eles implantaram o mineroduto, em 2010, eu tinha uma nascente na minha propriedade. Agora, dependo de galões de água doados pela prefeitura”, conta a moradora Vanessa Rosa Santos, de 33 anos. Com receio da situação piorar, a população entrou na Justiça contra a ampliação do projeto.

A nova etapa do empreendimento terá investimento de R$ 1 bilhão. “Além do risco de falta de água, tem a contaminação do solo e do lençol freático. São muitas famílias envolvidas”, afirma Lúcio Guerra Júnior, membro da Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio. 
A Anglo-American afirma que a terceira fase não causará aumento do uso da água, cuja retirada é outorgada. Além disso, segundo o grupo, 65% da água empregada na produção de minério de ferro no Minas-Rio é reutilizada. Existe um projeto para que o reúso chegue a 75%.

Retomada

Outro empreendimento de grande porte que esbarra em um conflito hídrico no Estado é o da Samarco. Após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana, na região Central, em 2015, a empresa já estaria apta a voltar a operar.

Mas o retorno esbarrou em uma carta de conformidade à Lei de Uso e Ocupação do Solo da Prefeitura de Santa Bárbara (Central do Estado), de onde será feita a retirada e o bombeamento de água para as atividades da mineradora.

Alegando risco de impacto ambiental, o Executivo municipal se negou a fazer o documento e o processo foi judicializado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou que o município se posicionasse. “Tivemos que fazer uma análise mais detalhada, porque é zona de recuperação ambiental”, afirma a assessora de Articulação Social de Santa Bárbara, Camila Lage.

Em nota, a Samarco disse ter apresentado um estudo comprovando que “não há impactos significativos na captação de água” e que a empresa já tinha as outorgas necessárias para a exploração do recurso antes.

Itabirito

A disponibilidade hídrica foi um dos fatores levados em consideração para a instalação da fábrica da Coca-Cola em Itabirito, na região Central do Estado. O que os empreendedores não imaginavam é que pouco tempo depois da inauguração da estrutura, em 2015, a água seria o motivo para que a empresa estivesse no centro de um conflito com a comunidade local. 

A população dos povoados de Suzana e Campinho alega problemas no abastecimento com a chegada da fábrica. A situação é tão grave que a própria Coca-Cola tem fornecido caminhões-pipa para abastecer as comunidades, o que já custou cerca de R$ 600 mil à empresa. “Depois que a Coca veio para cá, ficamos sem água praticamente todo fim de semana”, afirma Bruno Donizete dos Santos, membro da Associação de Captação de Água da Serra. 

A empresa conta que pagou R$ 400 mil na realização de um estudo, que mostrou disponibilidade hídrica na região. O gerente de Assuntos Corporativos da Coca, Rodrigo Simonato, disse estar aberto para chegar a um senso comum com a comunidade.

Assessora jurídica da Secretaria de Meio Ambiente de Brumadinho, Beatriz Vignolo diz que a prefeitura constatou dano ambiental por parte da empresa e estuda a possibilidade de ajuizar uma ação contra a Coca-Cola. 

Retornos

A água passou a ser fator de risco dos empreendimentos em Minas Gerais, segundo o gerente de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Wagner Soares Costa. Isso significa que, na implantação das empresas, são pensadas alternativas para manter os negócios durante a seca. 

A Anglo American afirma que a crise hídrica tem sido um desafio também para a empresa, uma vez que água é fundamental para a indústria do minério de ferro. Já a Vallourec disse que realiza monitoramentos hídricos quantitativos e qualitativos periódicos no entorno da Mina Pau Branco.

Em nota, a Samarco informou que, assim que conseguir as licenças necessárias, irá se preparar durante cinco meses para retornar as operações em Minas com 60% da capacidade produtiva. As atividades da empresa estão paralisadas.Editoria de Arte

  

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