Leônidas José de Oliveira: "Conjunto urbanístico do Santa Tereza será tombado"

Leida Reis - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
03/03/2014 às 09:18.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:24
 (Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

(Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

A Fundação Municipal de Cultura mudou a política de preservação de imóveis históricos de Belo Horizonte. Em vez de ações individuais, partiu para o tombamento dos conjuntos arquitetônicos. O Conselho Deliberativo do Patrimônio já aprovou o processo no bairro Cidade Jardim e discute agora a mesma ação no Santa Tereza. O presidente da Fundação, Leônidas José de Oliveira, no cargo há pouco mais de um ano, conta também que as obras da Escola Estadual Barão de Macaúbas foram liberadas, após ajustes no projeto.

Além da preocupação com o patrimônio, Leônidas ressalta as ações de incremento à cultura, admitindo que as verbas do Fundo e da Lei de Incentivo são insuficientes para atender a toda classe artística. Ele adianta uma novidade para o Festival Internacional de Teatro deste ano, o “Fitinho”, versão para as crianças do consagrado evento. Leônidas de Oliveira atribui o crescimento do público no Carnaval de rua de Belo Horizonte à ocupação do espaço urbano que surge como movimento espontâneo. E, no final da entrevista ao Hoje em Dia, acaba desistindo de um edital para a Praça da Estação, que, admite, ficará melhor com a ocupação natural do público.
 
O patrimônio de uma cidade com 116 anos como Belo Horizonte requer cuidados. Como preservar a história da cidade sem prejudicar os interesses dos moradores?
A política que estamos adotando é de tombamento de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos. Há seis meses, tombamos a Cidade Jardim. Em 2008 foi regulamentada a Área de Diretrizes Especiais, a ADE, um instrumento importante para o bairro. Acreditamos que a altimetria, a altura máxima dos imóveis, até dois andares, será realmente preservada com o tombamento do conjunto. São 86 imóveis da Cidade Jardim, sendo que aqueles que não estão tombados podem ser demolidos, mas não podem ter a altimetria alterada. Esse processo é antigo, o que fizemos agora foi tombar o conjunto.

Algum outro bairro pode ter o conjunto arquitetônico tombado?
O próximo tombamento será o do bairro Santa Tereza. O estudo está pronto, temos um abaixoassinado com mais de 1.300 proprietários de imóveis pedindo o tombamento. Será um tombamento do conjunto arquitetônico e urbanístico, com a finalidade de deixar a ambiência de bairro de cidade de interior com praça, igreja, e não deixarmos construir prédios grandes. Esse tombamento, feito para evitar a verticalização, vai mexer com a cidade. Ele deve ser aprovado pelo Conselho do Patrimônio em abril ou maio.

As obras de reforma da Escola Barão de Macaúbas foram embargadas porque não atendiam a exigências do tombamento municipal. Como ficou essa questão?
O projeto foi completamente refeito e agora atende às exigências. A obra foi, então, liberada. O que aconteceu foi que o governo estadual não conhecia o tombamento municipal. Pediram autorização ao Iepha, mas não fomos consultados. Acredito que o Estado não soubesse do tombamento municipal. O Conselho de Patrimônio entendeu que a obra não estava de acordo com a edificação antiga. Na última reunião, ela foi aprovada definitivamente após muitos embates.

Os proprietários das casas tombadas da Rua Congonhas, no Santo Antônio, vão cumprir a exigência de restauração dos imóveis?
Mandamos cercar os casarões porque estavam sendo invadidos e, praticamente, demolidos. Aplicamos multa e demos prazo para os donos fecharem as casas. Além dos quintais, há os chalés, com entrada para as ruas Congonhas, Leopoldina e Santo Antônio do Monte, que não são tombados.
A Lei de Uso e Ocupação do solo permite a construção de edifício ali. Até o início da construção do prédio, as casas terão que ser restauradas. Se forem demolidas, o proprietário terá que pagar 100% do valor delas de multa. E garanto que essa multa vai ser aplicada.

A região da Pampulha poderá receber da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade. A despoluição da lagoa não é fator condicionante, mas o atraso nessa obra pode interferir na decisão?

Até o final deste ano entregaremos o dossiê à Unesco que, até o final de 2016, vem comprovar a beleza e singularidade dos bens da Pampulha. A despoluição não interfere no processo, estamos tombando o conjunto arquitetônico modernista. A Igrejinha, a Casa do Baile, os jardins de Burle Marx e o Iate Clube estão sendo restaurados e revitalizados. Mas ninguém quer que a Pampulha seja declarada Patrimônio da Humanidade sem a recuperação do seu espelho d’água. Acredito que ele estará limpo quando o pessoal da Unesco vier.

Artistas e produtores reclamam do valor do Fundo Municipal de Cultura, que está em R$ 17 milhões.
De 2008 pra cá o valor do Fundo passou de R$ 4 milhões para R$ 17 milhões, com 400% de aumento. Mas, verdadeiramente, nem o fundo nem a Lei de Incentivo à Cultura atendem à quantidade de atividades culturais desenvolvidas hoje em Belo Horizonte. Em 2013, a Fundação recebeu 1,380 milhão de pessoas nos espaços culturais, Virada Cultural e outros eventos – número que corresponde a todo o público de 2011 e de 2012. O crescimento é estratosférico. BH está se despontando como capital da cultura. Partimos de 500 mil em 2012 para 2,8 milhões de público incluindo os eventos apoiados pela Fundação Municipal de Cultural e os realizados diretamente por ela. Mas no dia 19 de março faremos reunião aberta com a cidade para discutir o Fundo e a Lei de Incentivo. A lei é muito antiga e pode ser aperfeiçoada.

Há produtores culturais e artistas que reclamam de não conseguirem captar recursos para os projetos aprovados na Lei.
Não vejo esse problema. Em BH o incentivo é captado 100%; aparecem muitas empresas aqui querendo apoiar projetos e às vezes não há projeto para apoiar. Quem quiser pode nos procurar porque temos cadastradas empresas dispostas a financiar. A Vale, por exemplo, ofereceu aprovação para um mundo de projetos nossos.

E os atrasos no pagamento do Fundo? Alguns projetos aprovados em 2013 não receberam os recursos.
Dos projetos aprovados no ano passado, 50% receberam a verba. A demora ocorre porque o Fundo é dinheiro do Tesouro Municipal e o recolhimento de impostos do município de BH diminuiu. A situação começou a ser regularizada no dia 6 de janeiro. Toda semana tem pagamento a grupos. Os pagamentos vão até julho.

Projetos que recebem incentivos da FMC mudam alguma coisa no cenário cultural da cidade?
Não é só a ação da Lei de Incentivo, que apoia o Verão Arte Contemporânea, os festivais de teatro, dança e outros, os lançamentos de CDs e livros.
Contratamos 300 apresentações para ocupar os centros culturais e 130 dos projetos aprovados estavam vinculados a esses espaços. Temos o Cena Música e as inscrições para o Arena da Cultura estão abertas. São 3 mil alunos em cursos de música, teatro, dança, pintura e patrimônio. É o projeto mais bonito que temos. Está em dez centros culturais de aglomerados e vilas. São ciclos de quatro anos; temos ex-alunos de música, por exemplo, em orquestras daqui e de São Paulo. Então, sim, o cenário está mudando.

Alguma medida nova para reforçar os centros culturais?
Temos uma novidade. Vamos lançar neste ano o “Descentra Cultura”, com investimento de R$ 1 milhão. Vamos abrir o edital para projetos culturais no entorno dos centros culturais, com verba de R$ 5 mil a R$ 15 mil, que tenham ou não interação com os centros. Um sambista pode fazer um show na praça do seu bairro. A intenção é tirar o foco da zona centro-sul, onde se concentravam 80% dos projetos.

Alguma novidade no Festival Internacional de Teatro deste ano?
O evento acontece em maio e uma novidade neste ano é o “Fitinho”, uma programação especial para crianças. Outras novidades serão anunciadas na coletiva do evento, neste mês.

Os blocos estão fazendo uma folia diferente neste ano. Mudou o Carnaval da capital de Minas?
BH vive momento cultural singular, pois além da cultura tradicional, que vem ganhando novos espaços (Cine Theatro Brasil, CCBB e outros), há as ocupações urbanas. Este Carnaval é reflexo dessa ocupação dos espaços urbanos. Além do trabalho da Belotur e da Fundação, há um movimento espontâneo. Não se acreditava anos atrás que BH tivesse um Carnaval assim. As pessoas hoje querem ocupar o espaço urbano e o Carnaval é a maior festa de ocupação das ruas.

A ocupação da Praça da Estação por movimentos sociais já rendeu polêmicas e protestos. O que planeja para a praça?
A agenda da Praça da Estação para este ano está cheia. Pensamos num edital para ocupação desse espaço, mas talvez seja melhor deixar como está. Sou contra as grades e tapumes. Prefiro a praça livre, as pessoas estão pedindo uma cidade com mais saúde no entendimento humano, psicológico, sensorial, onde elas possam circular livremente. A cidade existe para isso, para se conviver nela

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por