Lei de Cotas faz 5 anos com os primeiros alunos do sistema sonhando com o futuro

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
24/03/2017 às 18:47.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:52

“Vou sentir saudades da UFMG. Vivi aqui os melhores momentos da minha vida”. É dessa forma que o estudante de engenharia de controle e automação Lucas Batista avalia a experiência universitária. E não era para menos. O jovem de 24 anos, que estudou a vida inteira em escolas públicas, é uma das milhares de pessoas que conseguiram ingressar na maior universidade de Minas por meio da Lei de Cotas, que em 2017 está completando cinco anos.

Prestes a se formar, ele integra uma das primeiras gerações de cotistas que vão ingressar no mercado de trabalho. A busca por qualificação, no entanto, está longe de terminar. “Pretendo fazer um programa de doutorado e mestrado, ao mesmo tempo, no exterior. Durante a graduação fiz um intercâmbio em Portugal, onde conheci mais de dez países e tive um choque cultural muito grande. Uma oportunidade que eu não teria se não estivesse dentro da UFMG”, comenta. 

“Então, se havia algum tipo de pretexto para discriminar um estudante usando o argumento da meritocracia, por exemplo, isso caiu por terra. Na UFMG, foi verificado que esses estudantes (cotistas) eram melhores dos que entravam antes sem cotas” (Ricardo Takahashi, pró-reitor de Graduação da UFMG)

Cristiano MachadoLucas Batista diz que estudar em universidade pública proporcionou várias oportunidades, como o intercâmbio que fez no exterior 

De 2014 para 2015, o número de vagas reservadas nas universidades brasileiras cresceu cerca de 25%. Só no primeiro semestre do ano passado, as universidades e institutos federais brasileiros contavam com mais de 97 mil lugares destinados para a política de cotas, segundo levantamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). 

Quem viveu a experiência de ingressar no ensino superior como cotista garante que a medida não só é importante, como extremamente útil para a sociedade. Estudante de sistemas de informação, Guilherme Rangel da Silva Moura, que conseguiu a vaga na categoria dos que possuem renda familiar per capita menor ou igual a um salário mínimo e meio, ressalta que a lei trará grandes avanços para o Brasil. 

“O ideal é que todos tivessem condições iguais para disputar vagas na universidade, mas sabemos que não é assim. Portanto, as cotas são importantes por abrirem as portas para muita gente que tem potencial”, avalia o rapaz.Cristiano MachadoGRATIDÃO – Priscila diz que só conseguiu fazer uma graduação graças ao sistema de cotas

Preconceito

A estudante Priscila Martins de Souza, de 23 anos, garante que foi graças ao sistema de cotas que ela pôde fazer uma graduação. Também cursando sistemas de informação, ela ingressou na UFMG na primeira turma de cotistas, em 2013. 

No terceiro período do curso, a jovem passou um ano nos Estados Unidos em um intercâmbio. “Não teria condições de pagar uma faculdade particular nem de estudar fora. Para ir até mesmo para uma instituição pública em outra cidade ou Estado ficaria inviável de a minha família me bancar”, conta.

Mas nem tudo foi flores. Priscila relembra que os estudantes admitidos na época por meio das cotas estiveram no centro de muitos debates. “Infelizmente, o novo sistema foi alvo de muito preconceito. Ainda existe, mas reduziu um pouco porque acabou dando mais acessibilidade para mais gente”.

Desmistificação

Um dos principais argumentos difundidos contra a lei de cotas no ambiente acadêmico era o de que a entrada de alunos de baixa renda, vindos de escolas públicas, iria rebaixar o nível de aprendizado na UFMG. Os números, entretanto, provaram o contrário.

“As pessoas perceberam, desde 2013, que aconteceu o contrário do que se esperava. Em 2014, os cotistas tinham notas maiores do que os que não são. Em outras palavras, era mais fácil entrar pela ampla concorrência em 2013 do que pelas cotas em 2014. Isso demonstrou que não haveria nenhum problema de rebaixamento do nível”, explica o professor e pró-reitor de Graduação da UFMG, Ricardo Takahashi. 

Resultados

Em todo país, o número de graduandos que acessaram o ensino superior depois da Lei de Cotas é crescente. Dados da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) revelam que, em 2013, pretos, pardos e indígenas ocupavam 14.909 vagas nas instituições educacionais públicas do Brasil.

No ano seguinte, a quantidade já tinha saltado para 20.331 vagas. Em 2015, já eram 23.710 estudantes.

Polêmicas, normas que reservam vagas nas universidades apresentam dados positivos

A Lei de Cotas nasceu como a tentativa de corrigir uma desigualdade utilizando uma ação afirmativa. Em outras palavras, uma medida temporária realizada para reparar um dano social que aconteceu no longo prazo. A justificativa, segundo especialistas, é o histórico de quase 400 anos de escravidão do Brasil, o que criou diferenças socioeconômicas profundas entre brancos e negros.

Dados do IBGE apontam que pretos e pardos correspondem à metade da população brasileira. Porém, só 12% da população preta e 13% da parda têm curso superior. Já entre os brancos, o número é 31%. 

Por esse motivo, as políticas de cotas na universidade surgiram da ideia de que a livre concorrência pelas vagas é injusta. Dessa forma, as vagas são reservadas para determinados grupos porque eles tiveram menos acesso a meios de formação, em decorrência de condições históricas desfavoráveis. 

Ainda hoje, porém, há vozes contrárias à medida. No entanto, dados recentes verificados em diversas universidades brasileiras comprovam que a política tem dado certo.

“Então, se havia algum tipo de pretexto para discriminar um estudante, usando o argumento da meritocracia, por exemplo, isso caiu por terra. Na UFMG, foi verificado que esses estudantes eram melhores do que os que entravam sem cotas antes”, explica o professor e pró-reitor de Graduação da universidade, Ricardo Takahashi.

Metas

Antes mesmo de 2016, ano de conclusão da política de cotas, a medida já tinha sido bem-sucedida, segundo levantamentos do Ministério da Educação e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Em 2014, 56% das 103 universidades federais já haviam atingido a meta da Lei das Cotas, prevista para o ano passado. O percentual se eleva para 77,5% no caso dos 354 institutos federais. Entre 2013 e 2014, nas faculdades, as vagas totais cresceram 10% e as para cotistas, 38%.Editoria de Arte

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