Metade dos municípios mineiros não tem condição de ofertar novo ensino médio

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
03/07/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:20
 (FERNANDA CARVALHO)

(FERNANDA CARVALHO)

Aprovada em fevereiro, a reforma do ensino médio tem prazo de cinco anos para vigorar em todas as escolas do país. Em Minas Gerais, porém, a corrida contra o tempo se mostra uma batalha difícil de ser ganha: mais da metade dos municípios não têm condições estruturais de ofertar o currículo proposto no texto da lei 13.415, que amplia a carga anual dos estudantes de 800 para 1.400 horas anuais. 

Segundo o Censo Escolar de 2016, 53% das cidades mineiras têm apenas uma escola em que há ensino médio. Além de única oferta, esses municípios precisam atender a distritos vizinhos e assegurar o direito à educação pública para toda a região onde atuam. 

Muitos deles funcionam em três turnos – manhã, tarde e noite – para dar conta de toda a demanda local, como a Escola Estadual São José, em Confins, na Grande BH. Todas as 11 salas do prédio são utilizadas durante a manhã e restam somente duas salas ociosas nos demais períodos. 

Ampliar o tempo em que o aluno deve ficar na escola, como propõe o currículo do novo ensino médio, significa investir também em infraestrutura. “Para começarmos a receber os meninos, precisamos de mais salas. Do jeito que está, não conseguimos”, conta a vice-diretora da escola, Ivana Carla Diniz.

O Estado, no entanto, alerta que os recursos para realizar as reformas de adequação da estrutura das escolas são escassos e que, sem suporte financeiro do governo federal, não sabe se será possível cumprir integralmente o prazo determinado pela União. 

“Até o momento, o governo federal não colocou nenhum aporte a mais para a gente. A princípio, nós vamos fazer dentro do que temos, dentro da nossa realidade, mas o Estado decretou calamidade financeira”, diz o diretor de ensino médio da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Renato Lopes.

Teste

Mesmo que ainda restem alguns anos para que todas as escolas brasileiras estejam adequadas ao novo ensino médio, mais de 500 instituições públicas em todo o país já estão passando por adequações para ofertar a etapa em tempo integral. É o caso da Escola Estadual Governador Milton Campos, o conhecido Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte. 

Ela é uma das 44 escolas-modelo de Minas escolhidas para receber o Programa de Fomento à Imple-mentação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, criado pelo MEC. 

As aulas no contraturno começam no segundo semestre e, em 2017, contemplarão os primeiros anos do ensino médio. Para cada aluno das escolas participantes, a pasta destinará R$ 2 mil anualmente. 

No Estadual Central, as mudanças ainda não começaram, mas docentes e estudantes já discutem como será a nova grade. “Queremos seguir com projetos interdisciplinares que direcionem os alunos para a pesquisa e que mostrem como os conteúdos estão atrelados ao dia a dia deles”, explica a professora de biologia, Ana Flávia Leal.

“Precisamos mesmo de uma reforma, a meninada não está se interessando por esse formato de hoje, mas ela tinha que ser discutida”Ivana Carla DinizDiretora

Aplicação dos cinco eixos de estudos exigidos é desafio na reestruturação das escolas

Erguer salas, alugar espaços externos, negociar novos horários de transporte escolar com as prefeituras são apenas algumas das ações estudadas pelo Estado para atender as 2.300 escolas mineiras que têm ensino médio. Além das dificuldades estruturais da ampliação da carga horária, a reforma traz ainda a obrigatoriedade de uma parte extra do currículo, composta por disciplinas optativas. São os itinerários formativos. 

A lei diz que o estudante deve escolher pelo menos um dos seguintes eixos para se aprofundar: ciências humanas, ciências da natureza, linguagens, matemática e formação técnica e profissional. 

Na prática, o Governo de Minas afirma que não será possível disponibilizar as cinco opções em todas as escolas mineiras. “O texto não deixa muito claro, mas as escolas não dão conta de oferecer todos os itinerários. Não é nem viável colocar uma opção que não tenha a ver com a cultura e o mercado de trabalho da região”, diz o diretor de ensino médio da SEE. Renato afirma que a escolha será feita “de acordo com as necessidades dos alunos”. 

Para especialistas, a proposta do governo federal é controversa e não amplia e, sim, reduz a disponibilidade de formação dos estudantes secundaristas. 

“Se mais da metade dos municípios têm só uma escola de ensino médio não podemos falar em opção, porque teríamos que ter professores permanentes que pudessem oferecer os cinco itinerários, o que é supercomplicado”, diz o professor de políticas educacionais da PUC Minas, Carlos Roberto Jamil Cury. 

Para o educador, escolas de cidades menores conseguirão oferecer apenas um dos eixos. “Ou o aluno se contenta com isso, ou ele pula fora. O itinerário técnico reduz o número de conhecimentos que hoje o estudante aprende”, afirma.

Mudança divide opiniões de quem conhece a realidade

À primeira vista, a ideia de poder aprender mais sobre uma área específica do conhecimento empolga. Aluno do 3º ano da E.E. São José de Confins, Pedro Henrique Ferreri, de 16 anos, acredita que será melhor para se preparar para o mercado de trabalho. “Queria escolher o que vou estudar porque já tenho mais facilidade em alguns temas”, diz o estudante, que gostaria de cursar aulas de ciências da natureza ou o ensino técnico.

A opção por um único campo de estudos já aos 14 anos, no entanto, preocupa educadores. “Eles são muito novos para já escolherem o que vão fazer para a vida. E se mudarem de ideia depois?”, questiona a diretora Ivana Carla Diniz.

Conciliação

A falta de consulta do governo aos estudantes da rede pública ao definir a reforma é um dos principais pontos negativos, na visão da aluna do 3º ano Letícia Silva, de 17. “A maioria dos alunos daqui de Confins nem tem disponibilidade para ficar na escola à tarde porque precisa trabalhar”. 

Paula Gabriela de Lima, de 17, estuda na parte da manhã e trabalha à tarde em uma locadora de carros para ajudar o pai a pagar as contas da casa. “Se tivesse que ficar na escola o dia todo, não poderia auxiliar minha família”, relata.

“Como eu vou encarar essa sala de aula com uma nova proposta se não fui instruída?”Cláudia GomesProfessora de geografia

Para o professor da Faculdade de Educação da UFMG, Luciano Mendes Filho, os itinerários formativos dividem as escolas de ensino médio no país e aumentam a desigualdade social. Na visão do especialista, instituições de cidades menores e da zona rural têm mais chances de optar pelo oferecimento da formação técnica, especialmente pelo contexto dessas regiões, em que muitos estudantes trabalham. 

“Tenho a impressão que a reforma criará duas escolas muito distintas: uma para formar trabalhadores, com ensino técnico, útil para que o aluno continue tendo o mesmo ofício dos pais, e outra modelo, para formar dirigentes nos grandes centros, com conhecimentos culturais e científicos”, explica.

Procurado para falar sobre as dificuldades apresentadas pelo Governo de Minas, o Ministério da Educação (MEC) informou que cada estado deve determinar como será a oferta de cada uma das áreas nas escolas “conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino”.

  

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