Milton Nogueira: especialista da ONU afirma que ações contra poluidores são muito morosas

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
28/12/2015 às 07:27.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:28
 (Carlos Henrique)

(Carlos Henrique)

Apesar de no país existir um catálogo de soluções eficientes para alcançar as metas da conferência do clima, as decisões políticas impedem avanços. Essa é a avaliação do cientista Milton Nogueira, de 75 anos, perito revisor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1988. Engenheiro metalúrgico formado pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Milton integrou a primeira equipe do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nos anos 70. Como funcionário da ONU, trabalhou 20 anos em Viena, na Áustria.

É importante o primeiro tratado global aprovado na 21ª Conferência da ONU sobre mudanças climáticas?
É uma manifestação da importância da engenharia, da ciência, do conhecimento específico da natureza. Até então, as discussões eram do tipo ‘qual o bloco de países pode ser atendido’. O acordo de Paris é uma tentativa conjunta de reduzir os gases de efeito estufa (GEEs), que causam o aquecimento global. Ele trouxe a pauta da humanidade para dentro de um acordo multilateral e a ONU para dentro da arena principal.

Minas Gerais vai cumprir as metas da COP 21?
Tem de acelerar o que iniciou: a transição do transporte individual para o coletivo na região metropolitana da capital e nas cidades-polo. É preciso chegar ao desmatamento ilegal zero. A solução está em nossas mãos: proteger o Cerrado e a Mata Atlântica para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar o oxigênio na atmosfera. Minas pode dar um bom exemplo se seguir nessa linha. Falta trazer ao pensamento municipal a ideia de que cidade não é só fazer projeto no papel, mas administrar através de consultas a toda população. Daí vai surgir um conceito de expansão das cidades menos emissora de gases GEE, que protegem os recursos hídricos, não colocam asfalto em tudo e não canalizam córregos e ribeirões. Esse conceito de cidade é onde Minas Gerais pode acelerar.

O agronegócio é a maior fonte de aquecimento global?
O arroto de bovinos é um GEE, o metano, que resulta do apodrecimento de qualquer matéria orgânica, como os lixões. Minas tem o terceiro plantel bovino do país e pode liderar o mundo mostrando como usar essa proteína através da tecnologia. A Embrapa tem os centros de pesquisa que utilizam a ciência para determinar formas de ter produtos de origem animal que fiquem mais tempo nas prateleiras, sem adicionar substâncias químicas. Essa é uma forma de evitar desperdícios. Tem de cuidar melhor da agricultura, danosa para o solo, o subsolo onde está a água, os ribeirões e a biodiversidade. Ela deve ser substituída por uma agricultura que cuida da capacidade de produção de alimentos sem causar danos irreparáveis ao meio ambiente. A agricultura mineira precisa de uma revolução, avalizada e liderada por si própria.

Nossas leis sobre emissões são mais permissivas que as europeias?
Estamos muito bem de leis, estamos ruins é no Judiciário. A Justiça é muito lenta em suas decisões, quando existe multa a ser cobrada ou quando tem de tomar medida contra empresa poluidora. O atraso é do Judiciário quanto às demandas da sociedade em relação ao meio ambiente. As leis em si estão atualizadas, mas, na prática, permitem ao poluidor estender por anos a fio o processo judicial e com isso, na verdade, sair impune.

Qual o avanço obtido com esse acordo na COP 21?
Incluir, como cláusula, os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU. Ou seja, os países têm de reduzir as emissões de gases causadores do aquecimento global, desde que não infrinjam os objetivos de reduzir a pobreza, água potável para todos, a educação das crianças. Foram 20 anos de negociações para chegar a um consenso fundamental para a humanidade. Será preciso pressionar os governos e as empresas a cumprir o acordo e a ajudar a população a se adaptar às mudanças do clima. Foi maestria da França o tratado entre 196 países, que, pela primeira vez, assumiram compromissos claros para atenuar as mudanças climáticas e os efeitos sobre no planeta. Os países adotam metas a serem aprovadas pelo parlamento, e são revistas a cada cinco anos. Os compromissos precisam ser transformados em planos claros, com metas anuais e orçamento. A transparência na divulgação dos progressos alcançados e das lacunas deve fomentar o debate de políticas nacionais, estaduais e municipais.

Os empresários tiveram destaque?
O bloco empresarial foi importante nas negociações iniciais porque tem a capacidade de gestão, recursos financeiros, técnicos e a capacidade de mobilização. A voz do mundo empresarial deu a certeza de que a tecnologia existente pode ser transferida a quem dela precisar. O sistema político internacional reconheceu, na busca de soluções, que as decisões não podem ser do ponto de vista dos mercados ou de ganhos financeiros entre países, e sim do coletivo da humanidade, mesmo a parte miserável que não chegou sequer a ser consumidor.

As religiões veem a natureza como algo sagrado...
O acordo conseguiu trazer vozes das diversas regiões e das mais diferentes atividades no mundo. Havia líderes de pequenas religiões do interior da África e das grandes, como o cristianismo e o islamismo, pedindo que se resolva a questão do clima por motivo ético e não apenas econômico, porque, segundo os livros sagrados, é uma forma de cuidar do ‘Jardim do Senhor’, a natureza. Outro grupo que teve voz política foi o dos países-ilhas, mais de 40 nações no Caribe, Ásia, costa da África e Oceano Índico. Como disse o embaixador de Cuba, ‘vocês da União Europeia e dos Estados Unidos têm a coragem de ficar sem a nossa música?’. Os países-ilha trouxeram o fenômeno cultural para dentro do debate entre as nações. A cultura precisa ser preservada, ela faz a humanidade ser tão interessante.

Como o senhor avalia a crise hídrica e o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, que destruiu o rio Doce até o mar?
Cuidei de projetos da ONU em mais de 60 países. Nunca vi coisa dessa dimensão, nem tal grau de irresponsabilidade e de incompetência da empresa. O que está errado é o modelo empresarial da mineração no país, o mesmo utilizado à época dos portugueses. Tirar e levar riquezas, deixando passivo ambiental e social. Os buracos, as sujeiras. Um escritor mineiro disse que os portugueses, no ciclo do ouro, deixaram o barroco. Hoje, as mineradoras deixam o barraco. A Samarco deu criatividade a essa frase. Do barroco ao barraco chegou ao barro.

A Samarco precisa da expertise do Canadá?
A expertise e competência técnica de nossos pesquisadores são de alta classe. A Escola de Minas de Ouro Preto (da Ufop) tem tecnologia para fazer do rejeito da mineração vários produtos, utilizados em asfaltamento, calçamento de ruas, na construção civil. A tecnologia é conhecida, foi testada e está disponível, mas o modelo da mineração não aceita trabalhar com tecnologias. Essa tecnologia não é transferida, porque a mineração é gerida por planilhas financeiras, por contador, e não por engenheiro, que quer aumentar o lucro a cada três meses e não a cada 30 anos. Com esse modelo, a cada movimentação de preço do minério no mercado, pode ocorrer desastres como esse da Samarco.

E a legislação que regula o setor?
O novo Código da Mineração, em debate no Congresso Nacional, deve ser retirado de pauta e reescrito, tendo em vista que o recurso mineral é propriedade da União, mas isso não é levado em conta na hora de dar as concessões. Todo minério é propriedade da população, é o que diz a Constituição Brasileira. E mais: a responsabilidade da empresa não acaba fora do portão da mina. Ela se estende por toda a bacia hidrográfica. Toda concessão minerária deve considerar essas questões.

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