Minas já teve mar há 550 milhões de anos

Ana Lúcia Gonçalves - Hoje em Dia
12/09/2014 às 08:12.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:10
 (Pedro Strikis)

(Pedro Strikis)

GOVERNADOR VALADARES – Fragmentos fósseis de animais marinhos que viveram na Terra há cerca de 550 milhões de anos, encontrados incrustados num paredão e em outros afloramentos de rochas em Januária, no Norte de Minas, indicam que essa região foi cortada pelo mar, possivelmente o último litoral mineiro. Os estudos continuam e novas coletas devem ser feitas neste ano na região.

Os fósseis foram encontrados por uma equipe de geólogos e paleontólogos da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em abril de 2013. Em março deste ano, um artigo sobre a descoberta foi publicado na revista científica “Geology”. O achado são diminutos fragmentos de animais marinhos do gênero cloudina, seres de formato tubular compostos por uma sucessão de cones calcários encaixados uns sobre os outros.

Além das pedreiras nos arredores de Januária, os fósseis foram encontrados em afloramentos de rochas da Formação Sete Lagoas, que faz parte do Grupo Bambuí, uma unidade sedimentar da bacia sanfranciscana que se espalha por aproximadamente 300 mil quilômetros quadrados e abarca vastas porções de Minas e da Bahia, além de se estender para Goiás, Tocantins e Distrito Federal.

Para os pesquisadores, os fósseis são a prova irrefutável de que, há pouco mais de meio bilhão de anos, um braço de mar, raso, com no máximo dez metros de profundidade, cobria essa parte do Brasil. “Essa deve ter sido a última praia que Minas teve”, disse o geólogo Lucas Warren, professor do Instituto de Geociências e Ciências Exatas de Rio Claro, da Unesp. “Não podemos dizer que esta foi a única entrada de mar na região, mas, seguramente esses fósseis correspondem aos primeiros animais com esqueleto da Terra”, disse Warren.

Segundo ele, até então ninguém havia encontrado fósseis de animais no Grupo Bambuí. “Além das cloudinas, também achamos ao menos três fragmentos atribuídos ao gênero Corumbella e rastros em rocha deixados, provavelmente, por um animal de corpo mole. Também dotadas possivelmente de um esqueleto, as corumbellas dividiam o mesmo ambiente marinho com as cloudinas”, explicou.


São Francisco, o rio-mar

Januária tem pouco menos de 70 mil habitantes e relação íntima com as águas. O município é conhecido por suas cachoeiras, grutas calcárias e cachaças artesanais. Sua posição geográfica estratégica, às margens do rio São Francisco, fez com que fosse um importante porto e entreposto comercial na época colonial. Os antigos índios da região não sabiam, mas intuitivamente chamavam o grande São Francisco de opará (rio-mar).


Blocos de rochas eram diferentes dos atuais

No novo estudo, os pesquisadores defendem a hipótese de que o braço de mar pouco profundo cobria não apenas a parte do território nacional com rochas do Grupo Bambuí, mas vastas porções do leste da América do Sul, do oeste da África e do sul da Antártida. “Esse mar conectava os três continentes e se ligava ao oceano”, afirmou o biólogo Pedro Strikis, do Instituto de Geociências da USP.

Os pesquisadores sustentam que há pouco mais de meio bilhão de anos, a conformação dos blocos rochosos razoavelmente estáveis que constituem a crosta continental, denominados crátons pelos geólogos, era diferente da atual. A América do Sul, a África e a Antártida estavam ligadas entre si. Eram parte do Gondwana, o supercontinente austral que reunia a maior porção das terras hoje situadas no hemisfério Sul.

Apesar de ainda ocorrerem debates intensos entre os pesquisadores brasileiros sobre como e quando exatamente todas as peças do Gondwana se juntaram (se há 520 milhões ou 620 milhões de anos), é consensual a visão de que a maior parte da América do Sul já estava ligada à África e à Antártida por volta de 550 milhões de anos.

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