Moradores de condomínios buscam fechar ruas para escapar da criminalidade

Raquel Ramos - Hoje em Dia
17/06/2015 às 06:21.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:30
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Em uma reação à falta de segurança pública, moradores de condomínios de Belo Horizonte têm se mobilizado para fechar ruas, controlando a circulação de carros e pedestres nas proximidades dos prédios. Em toda a cidade, são cerca de 20 residenciais que instalaram guaritas, cancelas ou portarias em vias públicas. Embora a legislação autorize esse tipo de medida em casos específicos, o Projeto de Lei(PL) 1.526/15, que tramita na Câmara Municipal, pretende pôr fim à prática.

Autor da proposta, o vereador Wellington Magalhães (PTN) argumenta que ninguém pode ser impedido de ocupar um local, em tese, de uso coletivo. “Não é justo tentar proteger mil pessoas e, por outro lado, tirar o direito de ir e vir de outros dois milhões de belo horizontinos”, justifica.

Mas para quem já viu assaltos baterem à porta, a regra deveria ser mais permissiva. É o caso do Condomínio Henrique Silva Araújo (conhecido como Henricão), no Nova Gameleira (Oeste). Há mais de dez anos, o conjunto tem licença da prefeitura para bloquear as entradas das ruas Gil Vieira Carvalho e Vereador Julio Ferreira, que dão acesso a 35 blocos.

A falta de verba para contratar vigilantes, porém, impossibilitou que alguma providência fosse tomada. “Agora, o assunto se tornou prioridade e vamos retomar as obras da portaria no próximo mês”, afirmou o síndico Olailson José Soares.

De acordo com ele, as ocorrências de furto de carro e assalto a moradores na área externa do condomínio, que é muito extensa, tornaram-se frequentes. “Depois das 18h, o pessoal precisa tomar cuidado para caminhar pelo estacionamento”, conta Soares.
 



 Síndico do condomínio “Henricão”, Olailson Soares espera colocar a portaria em funcionamento no mês que vem (Foto: Ricardo Bastos)

Jurisprudência

O assunto é polêmico até no meio jurídico. Segundo Henrique Carvalhais, presidente da Comissão de Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), há decisões em todos os sentidos em nível nacional. Mas, nos últimos anos, explica, a jurisprudência tem reconhecido de forma mais consolidada o controle de acesso a alguns espaços públicos.

Isso não quer dizer que as pessoas de fora do condomínio possam ser impedidas de entrar em um local público, informa o advogado. Nesses casos, o prédio apenas ganha o direito de exigir a documentação de quem passar pelo local.

Para que a medida funcione, o presidente do Sindicato dos Condomínios Comerciais e Residenciais e Mistos em Belo Horizonte Região Metropolitana, Carlos Eduardo Alves de Queiroz, acredita ser necessário investir em treinamento dos vigilantes. “Não basta monitorar a entrada de carros e pessoas. Eles têm de estar atentos à movimentação e saber como agir diante de casos suspeitos”.

Licença para fechamento de ruas sem saída precisa ser renovada a cada 15 anos

Em vigor há 11 anos, a lei municipal 8.768 concede à prefeitura o direito de “privatizar” uma área, desde que a via em questão seja definida como “cul-de-sac”, ou seja, não tenha saída. A responsabilidade pela conservação desse local passa a ser dos próprios moradores, até que a licença seja renovada, a cada 15 anos.

Mesmo sem se adequar à norma, há conjuntos habitacionais que adotaram a prática. No bairro Castelo (Pampulha), por exemplo, há denúncias de que o condomínio Fazenda da Serra se apropriou do Parque Cássia Eller. A vizinhança reclama que só pode acessar o espaço com autorização de vigilantes do residencial.

CONFLITO – Segundo a PBH, controle de acesso ao Fazenda da Serra é irregular, pois impossibilitaria chegada a parque; moradores conseguiram impedir retirada de guarita (Foto: Eugênio Moraes/Hoje em Dia)

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte confirmou que a situação é irregular e está em desacordo com a legislação. No entanto, a última tentativa de remover a cancela, em abril, foi frustrada porque os moradores impediram a ação dos agentes. O conjunto foi multado em R$ 940, conforme prevê o Código de Posturas. No entanto, a guarita continua no local.

Presidente da Associação dos Moradores do Fazenda da Serra, Sebastião Batista nega qualquer ilegalidade. “Assinamos convênios e, por isso, temos a responsabilidade de cuidar de dois parques. Custeamos a limpeza das ruas e monitoramos a entrada e saída de pessoas sem, contudo, proibir a entrada de ninguém”. Ele informou ainda que o condomínio já recorreu da multa aplicada pelo Executivo no último mês.

Volta no quarteirão

No Padre Eustáquio (Noroeste), um quarteirão da rua Riachuelo foi transformado em estacionamento privativo para os moradores do Conjunto Habitacional Santos Dumont. Embora o condomínio tenha licença do município para fechar a via, a vizinhança faz ressalvas à autorização.

“Eles não estão em uma rua sem saída. Quem quer passar pela local precisa fazer um desvio, utilizando uma rua paralela, que fica dois quarteirões acima da Riachuelo”, reclama João Antônio Pinto.

Em nota, a Gerência de Fiscalização da Regional Noroeste explicou que o direito de bloquear o acesso da via foi concedido pelo decreto 11.744, de 2004.

‘Aos poucos, tornamos a cidade mais excludente’

O fechamento de ruas pode não resultar em redução da violência, como desejam os moradores dos residenciais. Apesar de muita gente acreditar nisso, afirma o urbanista Sérgio Myssior, membro do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), o entendimento é outro desde a década de 70.

Está comprovado que a vitalidade dos espaços públicos é um importante fator para reduzir os índices de criminalidade de um lugar, explica o especialista. “Quando os cidadãos se afastam de uma área, abrem brecha para que o local seja invadido por criminosos”.

Outra crítica de Sérgio Myssior à instalação de guaritas é que a medida abre a possibilidade de que, no futuro, praças e parques, por exemplo, também sejam “privatizados”. “Aos poucos, tornamos a cidade mais excludente, o que vai na contramão do que é discutido no urbanismo”.

Casos recentes

Em abril deste ano, o Hoje em Dia mostrou a onda de violência em condomínios fechados de Nova Lima, na Região Metropolitana de BH. Desde janeiro do ano passado, 33 arrombamentos foram registrados, segundo dados da PM. Em 2015, foram mais de dez ocorrências em residenciais de luxo.

O último caso foi registrado no último fim de semana. Uma família foi mantida refém no Vila Castela, e os bandidos fugiram com dólares, euros e joias.

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