Ouvidor-Geral discorda da proposta de fusão do órgão com a controladoria

Alessandra Mendes
amfranca@hojeemdia.com.br
29/05/2016 às 22:33.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:39
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Nos últimos cinco anos, a demanda da Ouvidoria-Geral do Estado cresceu 110%, passando de 11.225 manifestações em 2011, para 23.577 em 2015. O órgão atende à demanda da população mineira com relação à qualidade do serviço público em diversas áreas, com ênfase para a educação, saúde e segurança, que são as mais demandadas. Apesar de a procura pela instituição ser cada vez maior, o serviço prestado nos moldes atuais deve ser extinto.

O projeto da reforma administrativa, encaminhado pelo Executivo estadual para a Assembleia Legislativa, prevê a incorporação da Ouvidoria pela Controladoria-Geral do Estado. Uma mudança que, na avaliação do ouvidor-geral de Minas, Fábio Caldeira, representa um retrocesso para o órgão e, consequentemente, para a participação popular na gestão pública.

Esse é um dos pontos abordados pelo ouvidor-geral em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia. Caldeira, que está no cargo há mais de dois anos, também ressalta o desafio do órgão neste momento de crise nas instituições governamentais.
De saída do cargo – o mandato termina no dia 29 de julho –, Caldeira defende maior envolvimento do cidadão na política e fiscalização dos governos e governantes. Confira a entrevista completa.

Na sua avaliação, os cidadãos já têm a consciência política da importância da participação popular no sistema democrático?
Culturalmente, a população brasileira não participa muito na vida política e na vida administrativa. Então quais são as conse-quências disso? Isso compromete a qualidade das normas jurídicas, das leis, e a qualidade do serviço público. Então nós precisamos instigar a população brasileira para que ela participe cada vez mais da gestão pública. Para isso, nós começamos a desenvolver várias ações, projetos e programas inovadores em âmbito nacional para que a população conhecesse mais a ouvidoria e acreditasse nesse instituto. 

Existe ainda uma resistência do próprio servidor com relação à atuação da Ouvidoria?
Os setores do governo precisam acreditar que a Ouvidoria é um órgão parceiro, auxiliar. É fundamental um secretário da Saúde, da Defesa Social, entender que o cidadão, ao manifestar uma demanda nessa respectiva área, faz uma contribuição para melhorar o serviço e ter a percepção de um governo sério. 

O órgão hoje está atrelado a alguma outra pasta?
A Ouvidoria de Minas é uma referência nacional, isso devido até às suas características legais. É um órgão autônomo, a ligação é diretamente ao governador do Estado, cujos ouvidores têm mandato, o que garante uma independência e autonomia maior na atuação. 

Mas essa independência e autonomia estão ameaçadas por mudanças previstas pelo governo. Como avalia a possibilidade de fusão entre a Ouvidoria e a Controladoria?
É extremamente preocupante esse projeto porque a Ouvidoria é uma referência nacional e precisa se fortalecer, e não retroceder. O projeto está encaminhado na Assembleia Legislativa, mas eu acredito que os deputados vão ter uma sensibilidade e o próprio governo vai ter essa sensibilidade de perceber que a Ouvidoria é um órgão meio e que, em termos financeiros, a sua extinção tem um impacto mínimo para os benefícios que ele pode apresentar para a população. Como eu disse, gestão pública não se improvisa. Nós não podemos criar, extinguir, fundir secretarias com outras, se não tivermos dados concretos que justifiquem a tomada de decisão nesse sentido, porque quem perde é o cidadão.

Foram feitas críticas de dentro do próprio governo com relação ao trabalho da Ouvidoria para justificar essa mudança prevista no projeto. Qual seu posicionamento sobre a avaliação feita de que o órgão é ineficiente? Isso causou uma indignação completa, primeiro aqui dentro do próprio quadro técnico da Ouvidoria porque, ao justificar qualquer medida administrativa alegando ineficiência é preciso ser claro com relação aos aspectos. É ineficiente em quais aspectos? Quais estudos foram feitos para alegar ineficiência? 
A ineficiência tem que ser medida. Apesar de sermos um órgão autônomo, nós integramos a administração estadual e, desde o início deste governo até o momento, nós não fomos procurados por ninguém para conversarmos sobre aperfeiçoamento das nossas práticas ou contribuição que poderíamos dar para o governo.

Caso o projeto seja aprovado da forma como está, como passaria a funcionar a Ouvidoria-Geral?
Hoje a Ouvidoria do Estado é um órgão autônomo, com ligação direta ao governador. Com o projeto, almeja-se retirar essa autonomia e ela passa a integrar a Controladoria Geral do Estado. Isso, no nosso entendimento, tem alguns equívocos de compreensão. A Controladoria tem uma contribuição importantíssima, basicamente de controle interno. A Ouvidoria do Estado lida, além do controle interno, com o controle e participação social. É o caso da reclamação da qualidade da alimentação dos detentos, do ensino prestado dentro de uma escola... várias questões que extrapolam as atribuições da CGE. Então nós entendemos que a administração pública tem que aprimorar suas práticas de governança, e não retroceder. E o que está sendo proposto é um retrocesso para a participação e controle social no Estado.

E quais medidas que estão sendo tomadas para impedir essa mudança?
Foi criada uma comissão entre os servidores que ficaram indignados com essa questão. Eles não só são muito qualificados como acreditam no órgão e gostariam que o mesmo fosse aprimorado. Essa comissão dos servidores tem feito um trabalho junto aos parlamentares. Eu, enquanto ouvidor-geral, não estou me envolvendo diretamente nessa questão, até porque meu mandato acaba dia 29 de julho. Então, eu lamento o que está sendo feito, mas essa atuação junto aos deputados tem sido feita pela comissão de servidores efetivos. 

Essa mudança impediria alguns trabalhos já realizados hoje pela Ouvidoria, como a apuração de reclamações e denúncias feitas pela população?
Essa possibilidade já causou a manifestação da Associação dos Delegados de Minas e de vários setores que são contrários. A minha grande preocupação é que, se avançar esse projeto, para retornar depois fica muito difícil. Acredito que é plenamente possível agora uma reflexão, até devido à gravidade do momento econômico e fiscal que estamos vivendo, de que uma medida como essa traz um prejuízo muito grande para a população.

De que forma o momento que vivemos impacta nessa relação entre o cidadão e o poder público?
Com essa crise fiscal enorme nos governos, o ponto número um é a qualidade dos serviços prestados à população. O recurso é menor e, para não ter queda na qualidade do serviço, pelo contrário, garantir melhores serviços, nós temos que ter instituições dentro dos governos que vão fazer esse trabalho de mediação entre o povo e o gestor. Então, por exemplo, se não existir uma Ouvidoria no governo de Minas, como a população vai participar? 
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por