Pescadores terão de viajar mais de 500 quilômetros após "morte" do rio Doce

Ana Lúcia Gonçalves - Hoje em Dia
28/02/2016 às 08:45.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:36
 (Arte HD)

(Arte HD)

(Foto: Leonardo Morais/Hoje em dia)
O fim da piracema em plena Quaresma sempre foi motivo de festa e lucro para cerca de 500 pescadores da Colônia Z-19, com sede em Governador Valadares. Mas, sem o rio Doce para pescar, por causa da contaminação provocada pelo rompimento da barragem da Samarco, eles não têm o que comemorar. E nem opção: terão que viajar à procura de outros rios para garantir o sustento de suas famílias. Alguns vão percorrer mais de 500 quilômetros em busca do pescado.

A pesca é proibida na piracema, que vai de 1º de novembro a 28 de fevereiro, por ser a época que os cardumes nadam rio acima para a reprodução. Deslocamento semelhante de sobrevivência terão de fazer os pescadores da Z-19. “A lama matou os peixes do rio Doce, mas não extinguiu as nossas obrigações ou reduziu as despesas. Não podemos ficar de braços cruzados esperando a recuperação ou vivendo com o salário mínimo que a Samarco oferece. A alternativa é pegar a estrada”, lamenta o presidente da colônia, Rodolfo Zulske, de 59 anos.

Dos 500 associados no Leste de Minas, cerca de 130 moram em Valadares. Zulske começou na semana passada a mapear os “rios alternativos”, a maioria afluente do Doce, e descobriu que não vai encontrar a mesma quantidade de peixes. As espécies também são diferentes. “Alguns nativos do rio Doce, como o piau vermelho, piau branco e o cascudo, são muito procurados pelos consumidores e não vamos encontrá-los em outro lugar”, destaca.

Opções

Na lista dos pescadores estão os rios Corrente, Santo Antônio, Suassui Grande, Suassui Pequeno, Jequitinhonha e das Velhas. Os locais onde montarão acampamento são guardados a sete chaves para evitar o furto das tarrafas, invasão ou duplo loteamento (fixação virtual de um ponto como exclusivo de um associado).

Com tanto pescador para pouca área, a intenção de Zulske é explorar o rio Jequitinhonha, em Salto da Divisa, a 500 quilômetro de Valadares. “Preciso consertar meu carro, comprar equipamentos e ter disposição para pegar a estrada”, diz. Segundo ele, a ideia é ficar dez dias acampado na beira do rio e o resto do mês em casa, comercializando o pescado.

Zulske busca parceiros para o custeio da empreitada. Da mesma forma, o pescador Eliseu Olímpio da Silveira, de 42 anos, está à procura de associados que queiram rachar as despesas, que devem ficar em torno de R$ 300 por viagem. Além de gasolina, terão que comprar sacas de canjiquinha para usar como isca para tilápia e piau. “Até descobrirmos onde os peixes estão, serão muitas sacas, a R$ 40 cada”.

Além disso

De acordo com a Samarco, já foram entregues 2.952 cartões à população ribeirinha, pescadores, areeiros e outros profissionais cuja subsistência depende do rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo, que dão direito ao repasse de um salário mínimo, mais 20% por dependente, e cesta básica. A mineradora informa que para a entrega dos cartões é feito o cruzamento de informações com o apoio de prefeituras e associações, para identificação das pessoas afetadas, e nem todos os cadastrados se encaixam nos critérios de elegibilidade. É o caso de donos de peixarias em municípios do Leste de Minas.

Perspectiva pessimista com a pesca outros cursos d’água

Em 40 dias, Rodolfo Zulske conseguiu pescar 1,2 mil quilos de peixes no rio Doce, no ano passado, equivalente a R$ 11 mil de arrecadação. Parte permanece armazenada no congelador. Agora, tendo que recorrer a outros cursos d’água, espera fisgar no máximo 150 quilos no mesmo período. “São rios menores e com pouca água”, explica.

Segundo o presidente da Colônia Z-19, mesmo com a poluição, o rio Doce sempre foi farto em peixes. Para conseguir a maior produção possível, Zulske conta com a ajuda da mulher dele, Júnia Mara Lahi Zulske, de 54 anos.

Júnia também é feirante, mas não monta a barraca na feira desde novembro. A média de vendas dela na Sexta-Feira da Paixão era R$ 2 mil. “Como os consumidores estão cismados, decidimos guardar os peixes. Esperamos que até o fim da Quaresma eles lembrem que foram pescados antes da lama”.

Zulske acredita que com o repovoamento o rio Doce voltará a produzir peixes em cinco anos, começando em 2017. Para isso, a pesca deverá ser proibida. Uma das preocupações dos pescadores é com a possível proibição também nos afluentes. “Estamos ouvindo isso por ai. Se acontecer, vai inviabilizar quem não tem condições de viajar para mais longe em busca de outros rios”.

Promessa de diálogo
 
Questionada sobre os deslocamentos dos pescadores, por causa da contaminação do rio Doce, a Samarco foi burocrática. Informou que “tem promovido estudos sociais para melhorar as condições dos impactados direta e indiretamente” e que “reforçará seu processo de diálogo social, como já acontece nos municípios impactados".
Segundo a mineradora, uma equipe especializada fará reuniões periódicas com os pescadores.
 

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