Polícia investiga golpe que simula usucapião na venda de imóveis em BH

Cinthya Oliveira e Renata Evangelista
portal@hojeemdia.com.br
01/08/2017 às 12:26.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:51
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

A Polícia Civil abriu inquérito para investigar uma quadrilha de estelionatários que está usando uma alteração no Código Civil sobre usucapião, em vigor desde 2016, para produzir documentação falsa a fim de simular a venda de imóveis vazios em Belo Horizonte à revelia dos proprietários. Um dos casos mais recentes aconteceu em uma residência de luxo que está fechada há cerca de dez anos no bairro Mangabeiras, na região Centro-Sul da capital.

Golpistas tentaram vender a mansão, localizada na avenida Agulhas Negras, munidos de um documento falso que comprovaria a posse por usucapião. O golpe da venda da casa só não se concretizou porque o interessado no imóvel conseguiu localizar o verdadeiro dono e descobrir a fraude. Os estelionatários estavam pedindo R$ 600 mil pela suposta transmissão de posse do imóvel que, na verdade, tem valor acima de R$ 2 milhões.

No novo golpe do setor imobiliário, falsificadores levantam informações sobre imóveis vazios e procuram cartórios para atestar que são donos do espaço por meio de usucapião. Falsas testemunhas confirmam a informação, e os golpistas conseguem o registro de uma ata notarial, que é usada para iludir compradores. Quem “compra” um imóvel com documentação forjada pelos estelionatários acaba ficando no prejuízo, já que o usucapião não existe na realidade.

O caso ocorrido no Mangabeiras foi denunciado por Luiz Cláudio Nunes, de 56 anos. Após ser informado de que a propriedade da família estaria sendo falsamente colocada à venda, ele radicalizou e decidiu escancarar o golpe. Nunes afixou duas faixas no entorno da casa para desmentir a venda. "Cuidado com estelionatários. Está casa não está à venda. Ass: o proprietário", escreveu em letras garrafais.

"Tem uma quadrilha fazendo isso aqui no Mangabeiras. Já tive conhecimento de outros casos semelhantes", contou o verdadeiro dono do imóvel. 

O proprietário da casa procurou a polícia e registrou queixa-crime. A investigação está sendo conduzida pela 2ª Delegacia Especializada em Falsificação, Sonegação Fiscal e Administração Pública, localizada no bairro Santa Efigênia. “Se alguém mais tiver notícia sobre um golpe dessa natureza, pode nos procurar no Departamento de Fraudes”, afirmou o delegado Daniel Buchmüller.

Ata notarial

Segundo Nunes, o advogado de uma pessoa que teria se interessado pela compra do imóvel contou que o estelionatário apresentou uma ata notarial em que se dizia ser o verdadeiro proprietário. A ata notarial é um instrumento público pelo qual um tabelião, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar uma existência. "Porém, o documento não tem valor. Ele (golpista) ofereceu para transferir a posse do imóveil por usucapião", enfatizou.

O imóvel da avenida das Agulhas Negras tem cinco donos e está vazio há aproximadamente dez anos por uma questão judicial. O destino da casa ainda não foi definido pelos irmãos que herdaram o imóvel. "Mas a verdade é que a casa nunca esteve à venda", disse Nunes.

Entre as mudanças que o novo Código de Processo Civil (CPC) trouxe no ano passado está a usucapião extrajudicial, ou seja, fora da Justiça, em cartório. Através do artigo 1.071, o Código permite que o pedido de usucapião seja realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis da comarca em que o bem estiver situado. O usucapião varia de 5 a 15 anos, dependendo do caso.

Vulnerabilidade

Segundo o presidente da Comissão dos Direitos Imobiliários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Kênio Pereira, a quadrilha está se aproveitando das mudanças na lei. “Eles vão ao cartório e afirmam serem possuidores do imóvel há mais de dez anos. Levam testemunhas e conseguem que o tabelião faça uma ata notarial”, explicou.

"A questão é que a ata notarial não comprova nada, mas acaba servindo para o golpe, pois muitas pessoas acreditam que qualquer papel que tenha origem em um cartório tenha valor de documento. Os estelionatários tentam vender a posse do imóvel, que tem um valor mais baixo de mercado. Por lei, a posse pelo usucapião pode ser transferida”, explica Kênio.

Segundo o advogado, as casas mais vulneráveis são aquelas em que há muitas placas de “Vende-se” na fachada. O estelionatário faz as cópias da chave ao se passar por interessado na compra. Como há muitas corretoras envolvidas no processo de venda, o interessado no imóvel não sabe exatamente quem é o verdadeiro representante do proprietário.

“Um golpe parecido já é comum no setor da locação. Um golpista dá um jeito de fazer as cópias das chaves do apartamento e se apresenta como verdadeiro dono do imóvel. Ele propõe ao interessado na locação um contrato menos burocrático, sem fiadores. Dizem: 'basta me pagar três meses adiantado'. A pessoa acredita, paga e o estelionatário foge com o dinheiro”, conta Kênio, destacando que os golpes acontecem normalmente quando as pessoas tentam fazer negócio sem passar por uma assistência jurídica e uma boa verificação de documentos em cartórios e órgãos competentes.

O delegado Daniel Buchmüller aconselha pessoas que possuem imóveis fechados a não os deixarem abandonados. “Peça para um vizinho ficar de olho e avisar assim que vir alguma movimentação estranha. Essas quadrilhas observam muito bem os imóveis, sabem há quanto tempo estão fechados”, afirmou.

Cuidados para a compra do imóvel

O vice-presdiente jurídico da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (Secovi-MG), Francisco Maia Neto, explica que ninguém pode comprar um imóvel sem antes verificar a certidão atualizada em um cartório de registro de imóveis. "Basta colocar no Google uma busca sobre documentos necessários para a compra de um imóvel. Não é preciso ter um advogado para saber disso. Na certidão atualizada, você poderá saber se há uma hipoteca ou um bloqueio judicial, por exemplo", explicou o advogado.

Segundo ele, a ata notarial é simplesmente o primeiro passo para a usucapião e ninguém pode encará-la como um documento oficial, mesmo que tenha partido de um cartório. A posse de usucapião pode, sim, ser transferida para outra pessoa, mas essa transação também demanda cuidado. É importante ter em mãos os dados sobre o imóvel (verificar se o proprietário realmente o abandonou) e a planta do loteamento. "Já vi um homem entrar na Justiça para posse de usucapião de um lote, mas, na verdade, ele estava ocupando o lote vizinho".  

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