População teme ficar sem água com megaempreendimento em Brumadinho

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
13/03/2017 às 21:03.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:43

Na beira da caixa receptora da água vinda da nascente de Campinho, Edson de Moraes, de 70 anos, chora a seca da fonte que dá nome e abastece ao povoado em que vive há décadas. O drama dessa comunidade pode ser estendido a 10 mil moradores da zona rural de Brumadinho caso o empreendimento da CSul Lagoa dos Ingleses, que poderá levar 150 mil pessoas para a região, utilize o mesmo aquífero que abastece as nascentes da região.

Até mesmo os diversos cursos d’água da bacia do rio Paraopeba, que garante água para a maior parte da Região Metropolitana, poderão ser afetados, conforme alerta a ong Abrace a Serra da Moeda.

No centro da discussão está a utilização do chamado aquífero de Cauê para abastecer o empreendimento. Segundo os moradores, somente a implantação recente de poços tubulares para atender à nova fábrica da Coca-Cola, em Itabirito, já praticamente secou a nascente de Campinho, que atende cerca de 730 pessoas. 
Como o aquífero de Cauê abastece dezenas de nascentes que deságuam em afluentes do Rio Paraopeba, a utilização dele para levar água para ao o megaempreendimento deixa especialistas e a população local temerosos quanto aos impactos futuros. 

“São dois problemas. O primeiro é o tamanho da reserva hídrica que não é tão grande quanto os empreendedores dizem. E o segundo é o impacto do bombeamento das águas subterrâneas”, afirma o geólogo membro da Ong, Ronald Fleischer. Esse bombeamento pode anular por completo a capacidade de abastecimento das nascentes em breve.

Falta
O que pode vir a acontecer com outras áreas já é uma realidade no povoado de Campinho. “Mudei para cá justamente porque tinha água a perder de vista. Agora não temos nada”, lamenta o senhor Edson. 

De fato, o abastecimento de água do povoado tem sido feito por meio de caminhões-pipa disponibilizados diariamente pela Coca-Cola. “Se dependermos só da fonte, ficaremos sem água por três dias toda semana”, afirma o diretor da Associação de Moradores de Água do Campinho, Raniere Júnior Moraes. 

A situação é tão ruim que o aposentado Nestor Estevão da Silva, de 86 anos, teve até que abrir mão do gado que criava. “Não tem água. Como criar os bichos? A situação está crítica”, afirma. 

Em nota, a Coca-Cola disse que “evidências técnicas indicam que os referidos poços não estão interferindo nas nascentes”. 

Na CSul, a promessa da empresa é que os danos serão minimizados. Segundo o superintendente do empreendimento, Waldir Salvador, serão realizadas pesquisas e monitoramento dos recursos hídricos da região por dois anos. Os impactos, portanto, serão conhecidos depois da licença prévia, que está sendo pleiteada pela empresa agora. Os resultados serão levados em conta na fase de licenças de implantação.

A reportagem não conseguiu contato com as prefeituras de Brumadinho e Itabirito para falar sobre o assunto. 

Reunião de conselho para tratar de projeto é cancelada

A construção de uma “nova cidade” no entorno da Lagoa dos Ingleses, proposta pela CSul, esbarra agora na dificuldade de conseguir o aval dos órgãos ambientais. A licença prévia (LP) está condicionada ao aval do Conselho do Parque Estadual da Serra do Rola Moça. Mas pela complexidade do tema, o assunto foi retirado da pauta dos conselheiros pela terceira vez ontem.Lucas Prates 

O empreendimento será um complexo residencial, de comércio e serviços, em uma área de 27 milhões de metros quadrados. Idealizado pelas empresas BVEP - Braço Imobiliário do Grupo Votorantim, Grupo Asamar, Alicerce Empreendimentos, MINDT – Empresa do Grupo Barbosa Mello, JD Participações e AGHC Participações, o projeto receberá um investimento de R$ 600 milhões apenas na infraestrutura, segundo o superintendente da CSul, Waldir Salvador. 
Até o momento, os conselheiros da Área de Proteção Ambiental ao Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte (APA Sul) já deram um parecer favorável ao projeto. 

A própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) já se posicionou favoravelmente em parecer direcionado aos conselheiros ambientais. A Prefeitura de Nova Lima disse em nota que: “é a favor de todo empreendimento que traga o desenvolvimento sustentável para o município e contribua para seu crescimento ordenado”. 

Ontem, porém, a reunião dos conselheiros do Parque do Rola Moça, que poderia dar uma sinalização, foi cancelada. A decisão foi do diretor de Unidades de Conservação de do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Henri Collet. Ele se justificou dizendo que é preciso uma análise de novos documentos que chegaram antes de uma tomada de decisão. “É um projeto que vem sendo analisado há muito tempo, mas vai significar um impacto muito grande para a região. É preciso analisar todas as possibilidades”, diz.

Trânsito
O empreendedor defende que o projeto trará benefícios. “Vamos ajudar a reduzir o trânsito na região central de Belo Horizonte já que as pessoas que se mudarem para o empreendimento poderão resolver seus problemas nele mesmo, que vai ser completo”, afirma. 

O problema é que o possível impacto no trânsito também não foi estimado ainda. Há quem acredite que possa ser negativo. A frota aproximada seria de 70 mil carros – se considerada a proporção atual em Belo Horizonte de 0,7 veículo por pessoa – o que já bastaria para criar um corredor de trânsito mais intenso na BR–040, entre a “nova Alphaville” e a capital. Números que precisam ser levados em consideração. 

Vereador levará caso ao MPMG

Os possíveis impactos ambientais do empreendimento da CSul chegarão ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Pelo menos, essa é a intenção do vereador de Brumadinho, Vanilson dos Santos Porfírio. 

Ele disse que vai procurar o MPMG hoje para pedir uma investigação mais aprofundada no caso. “Vou fazer a denúncia. Cabe a mim, enquanto vereador, buscar a investigação dos fatos”, afirma. 

Na queixa, serão citados tanto o empreendimento imobiliário quanto a fábrica da Coca-Cola que, na visão do vereador, poderiam utilizar água proveniente de outro aquífero. “O principal problema que temos na região é a falta de água. Então não dá para negligenciar”, afirma. 

A advogada da Ong Abrace a Serra da Moeda, Beatriz Vignolo Silva, explica que a prioridade deve ser o abastecimento humano. “Nós já estamos vivendo uma disputa por água devido a escassez de recursos hídricos. Isso não é uma questão que afeta apenas as comunidades de Brumadinho, mas todo o país”, afirma. 
Levando esse debate adiante, no próximo dia 21, a Ong encabeçará um protesto em Brumadinho. Será a décima edição do Abrace a Serra da Moeda, um abraço simbólico que simboliza uma crítica à exploração dos recursos naturais da região. A estimativa é que 10 mil pessoas participem do evento. Editoria de Arte 



 

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