Promotorias de Minas recebem 315 pedidos por dia ligados à Lei Maria da Penha

Alessandra Mendes
amfranca@hojeemdia.com.br
07/08/2016 às 07:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:13
 (VALERIA MARQUES)

(VALERIA MARQUES)

Assim como milhares de outras mulheres, ela perdeu tudo, inclusive a própria identidade. Não pode trabalhar, visitar amigos ou ir à igreja sem ter os passos vigiados pelo ex-marido. Diante da situação, preferiu ficar reclusa, largou o emprego e sai de casa apenas quando é estritamente necessário. Mas, mesmo após perder a liberdade, ainda corre o risco de perder a vida.

Aos 32 anos, mãe de dois filhos com o homem que passou de pai e companheiro para algoz, ela busca, em sua segunda visita à delegacia em dois meses, ajuda para sair desta relação de opressão e ameaça. Até a filha do casal, de 12 anos, virou arma no jogo de chantagem e medo articulado pelo ex-companheiro.

“Ele disse que se eu ficar com outro homem vai matar nossa filha a facadas. O pior disso tudo é que eu não duvido que ele faça mesmo isso, já que mandou uma pedra na cabeça do nosso outro filho de 17 anos que uma vez tentou me defender”, conta a mulher. Assustada e temendo as consequências que isso poderia trazer, ela prefere não se identificar.

Entretanto, a vítima, assim como tantas outras atendidas no expediente intenso da última segunda-feira na delegacia especializada de Belo Horizonte, criou coragem para denunciar. E por duas vezes. “A gente ficou junto durante muito tempo e ele foi ficando cada vez mais ciumento e possessivo. Chegou em um ponto que não aguentei mais e separei. Aí ele enlouqueceu e começou a me ameaçar e perseguir para todo lado”, diz.

Mesmo após dar o passo no sentido da proteção ela ainda não teve o retorno que esperava. “Quando ele me agrediu registrei a ocorrência e esperei por medidas protetivas, que não vieram. Voltei aqui para cobrar que alguma coisa seja feita. Tenho medo de morrer”, confessa a mulher, com as mãos inquietas no colo demonstrando todo o seu nervosismo.

Quando veio com o companheiro da Bahia para Belo Horizonte não imaginou um fim tão dramático para sua história com aquele que idealizou como sendo o “homem perfeito”. “Tudo era lindo nessa época, mas isso mudou. Ele mudou, eu mudei. Hoje, não me reconheço mais naquela garota que saiu da Bahia para viver um sonho. Perdi tudo pelo caminho”.

Ao lado dela, muitas outras mulheres à espera de ajuda para o mesmo problema ouvem caladas a história que narra trechos muito parecidos com os vividos por todas ali. Os relatos são de dor, mas também falam de superação. “Meu sonho hoje é acordar desse pesadelo, sabe? Dormir e acordar. Só isso”. Aos 32 anos, ela sabe que já passou da hora de recomeçar.

Agressões contra mulheres se multiplicam em Minas

A cada hora ao menos 13 pedidos de medidas protetivas para mulheres chegam nas promotorias de Justiça de Minas. Por dia, são 315 solicitações relacionadas à Lei Maria da Penha, o que dá um total de mais de 9.500 demandas deste tipo por mês. Os dados de 2015 coletados pela Corregedoria do Ministério Público são 45 vezes maiores do que os registros de 2007 quando foram feitos 2.579 encaminhamentos.

Os números dão a dimensão da mudança cultural e comportamental resultante da lei, que completa neste domingo (7) dez anos. Segundo especialistas e autoridades envolvidas no combate à violência contra a mulher, o aumento gigantesco reflete o fenômeno de denúncia maciça dos casos, antes mantidos em âmbito privado, e não necessariamente o crescimento desse tipo de crime.

“Esse é um mérito que a lei conseguiu alcançar, divulgar aos quatro cantos que a violência praticada em casa é muito negativa para todos e haverá penalização. De uma forma geral, a sociedade reconhece o fim da violência como objetivo comum. Esse é um aspecto cultural, do machismo, que está em transformação”, afirma a promotora de Justiça do Centro de Apoio ás Promotorias de Justiça de Defesa de Direitos Humanos (Cao-DH), Nívia Mônica.

Além da mudança de paradigma, outro avanço na última década garantido por meio da legislação específica para proteção às mulheres, foi a criação de medidas emergenciais, as chamadas protetivas. 

“É basicamente a proibição de contato do agressor com a ofendida e, em alguns casos, de seus familiares. São previstas 96 horas para análise do pedido, entre polícia e Justiça”, explica a chefe da Divisão Especializada no Atendimento à Mulher, Idoso e Pessoa com Deficiência, Danúbia Soares Quadros.

Apesar de positiva, nem sempre a medida tem sido efetiva. Na avaliação da delegada, falta mais agilidade e integração entre as partes que integram o sistema. “Às vezes passa um dia, dois dias, a vítima volta querendo saber o que aconteceu. Não sabemos dar essa resposta porque não existe esse link entre a delegacia e a Justiça”, diz.

Mudança
A solução para ela seria dar um passo além, e garantir que a medida possa ser deferida na própria delegacia, onde a análise é quase imediata, sem precisar do aval de um juiz. É o que propõe o Projeto de Lei Complementar 07, que já foi aprovado na Câmara Federal e está em tramitação no Senado. 

Posição diferente daquela defendida pela promotora. “A medida protetiva impõe obrigações a uma terceira pessoa, inclusive crianças, por isso acho imprescindível que seja dever dos juízes deferir. É um segundo crivo que se cria”, argumenta Nívia.

Outro gargalo da lei está na fiscalização do cumprimento da medida. Atualmente, não há uma garantia de que o agressor está afastado da vítima. “O ideal seriam mais tornozeleiras. É uma alternativa muito eficaz”, alega a delegada.

Monitoramento
Cerca de 200 agressores enquadrados na Maria da Penha são monitorados hoje por tornozeleiras. A ampliação é necessária, mas deve ser acompanhada por um melhor sistema de fiscalização. “Não é possível expandir sem que o controle seja 100% eficiente. É uma alternativa que só funciona com fiscalização efetiva”, lembra a promotora.

Apesar de altos, os dados sobre casos registrados na polícia, as solicitações e processos relacionados a violência doméstica ainda não são um retrato do cenário atual. A estimativa é que a subnotificação, para a violência sexual, seja de 90%. Ou seja, para cada dez casos, apenas um é denunciado.

“Tudo gira em torno de educação, tanto de mulheres quanto de homens. Espera-se que, com o passar do tempo, a questão da violência e desigualdade seja superada e não precisemos mais de uma lei específica para a mulher. Ainda é um cenário distante, mas é preciso buscá-lo”, defende Nívia.


Ponto a ponto

Luiza Brunet denunciou que foi agredida pelo companheiro, o empresário bilionário Lírio Albino Parisotto, e teve quatro costelas quebradas. A Justiça aceitou no mês passado a denúncia feita pelo Ministério Público contra o empresário relativa à agressão que teria ocorrido por duas vezes em 2015.

Mel Gibsou teria ameaçado a mulher, Oksana, com uma arma em 2010. Além disso, ela o acusou de diversas agressões.

Rihanna foi espancada pelo então namorado, o cantor Chris Brown em 2009.

Luana Piovani acusou Dado Dollabela de tê-la agredido em outubro de 2008, durante uma discussão em uma boate. O ator foi condenado a dois anos e nove meses de prisão.

Em 2005, o cantor Netinho de Paula foi acusado de espancar a mulher, Sandra Mendes de Figueiredo, durante uma discussão.

A cantora Madonna foi casada com o ator Sean Penn de 1985 à 1989. Em um ataque de ciúmes, ele teria agredido a rainha do pop, que o denunciou.

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