Quase metade das detentas tem filhos no crime, aponta pesquisa

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
08/12/2016 às 19:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:00

Todas as tardes, Joana Pereira* deixava os dois filhos na escola e ia trabalhar. Ela e o marido tinham uma distribuidora de bebidas no bairro Jardim América, Oeste de Belo Horizonte, mas a venda de cervejas e destilados não era a principal fonte de renda da família. Para manter o padrão de vida elevado e pagar os estudos dos filhos, o casal de classe média traficava drogas. 

A mulher escondeu a profissão das crianças enquanto pôde. Mas, depois de ter o companheiro assassinado por outros traficantes, manter a mentira se tornou impossível. Em 2007 foi presa por dar prosseguimento o crime e logo recebeu a notícia de que o filho dela mais novo, de 14 anos, seria levado para um centro de internação por assalto à mão armada. Na prisão, os dois trocaram cartas. Preocupada, a detenta escreveu a ele questionando o motivo da infração e pediu que mantivesse um bom comportamento. A resposta veio como uma lâmina afiada: “mãe, fica tranquila que eu aprendi com a melhor”. 

41 anos)

Joana e o filho não estão sozinhos. Um levantamento feito pela Associação Mineira de Educação Continuada (Asmec) com as 450 presas do Complexo Penitenciário Estevão Pinto (Piep), em Belo Horizonte, no fim do último ano, mostra que 46% das detentas têm filhos que cumprem ou já cumpriram medida socioeducativa, seja em liberdade assistida, semiliberdade ou em regime de internação. 

A criminalidade em famílias que já possuem uma trajetória de infrações à lei tende a se repetir. Não se trata de uma regra infalível, mas uma família desequilibrada é um fator muito importante para que o jovem possa apresentar desvios de comportamento, explica o sociólogo Bráulio Figueiredo, professor da UFMG e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp).

“O elemento intrafamiliar tem uma influência muito grande. Crianças e adolescentes que têm irmãos ou pais que já foram presos têm uma maior probabilidade de entrar na criminalidade. Até porque os próprios pais não têm muito tempo para se dedicar à educação dos filhos e não conseguem exercer um controle forte sobre eles”, diz. Há ainda outros aspectos que podem agravar as probabilidades de que esses jovens se envolvam com o crime, como o ambiente em que vivem.

Fatores

Uma vizinhança envolta em criminalidade foi um dos fatores que levou os filhos de Rose Santos* ao crime. A mulher, que cumpre pena em regime semiaberto por tráfico de drogas, morava com as crianças no bairro Santa Terezinha, na capital mineira. Por lá, batidas policiais nas casas à procura de armas e drogas eram rotineiras. Em uma dessas operações, a mãe e o padrasto foram presos dentro da própria residência enquanto as crianças dormiam. Nas visitas assistidas, o filho mais novo contava a Rose: “mãe, o Fabinho tá fumando maconha. Ele nem tá indo à escola mais”. 

“Fui a única pessoa da minha família a se envolver com o tráfico. Depois que fui presa, soube que meus filhos também estavam fazendo coisa errada. O que mais queria era orientá-los para evitar que isso acontecesse” (Rose Santos, de 48 anos)

Com um pai ausente, que não pagava pensão e se recusou a olhar os filhos quando a mãe foi presa, anos mais tarde os dois meninos de Rose cumpririam medidas socioeducativas. Na época, o primogênito foi internado por porte de drogas e o outro teve que prestar serviços comunitários em posto de saúde por dirigir uma moto quando era menor de 18 anos.

Rose já está em processo de ressocialização. Hoje ela trabalha, cursa faculdade de administração e deve ir para o regime aberto no próximo mês. O filho mais velho, no entanto, está cumprindo o primeiro ano da pena por tráfico de drogas, agora em uma penitenciária. A mãe, que sonha em retomar a vida com os jovens em outro bairro, remói os pensamentos antes de falar o que não quer que seja dito. “Meus filhos entraram para o crime porque eu não estava lá para cuidar deles”, diz ela, cabisbaixa.

Com vergonha, mulheres preferem se afastar da família

O pequeno Caio Mateus*, de 5 anos, só visita a mãe na prisão quando há acompanhamento de pedagogas e psicólogas. Ele é o filho mais novo de Joana Pereira e vive com os pais da detenta. A mulher prefere não vê-lo nas visitas regulares porque tem medo que ele se acostume com o ambiente prisional. “Gosto que ele venha quando temos uma atividade divertida aqui na Estevão Pinto, com teatro e brincadeiras. Não quero que ele fique vindo na cadeia”.

“A entrada na criminalidade se dá muito cedo, por volta dos 12 anos. A criança começa a ter problemas de desvio, como abandonar a escola, e isso toma uma proporção bem maior se ela não tem pais muito presentes” (Bráulio Figueiredo, sociólogo)

Assim como Joana, muitas mulheres preferem se afastar da família por vergonha ou medo de que o cárcere seja um mau exemplo para os filhos, diz a superintendente de Atendimento ao Indivíduo Privado de Liberdade, Louise Leite, da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap). Ela afirma, porém, que a conexão com a família e a presença dos filhos é essencial para que as detentas não voltem a reincidir na criminalidade. 

O sociólogo Bráulio Figueiredo garante que a convivência com pais detidos não garante que o jovem irá naturalizar os desvios de conduta. Ele acredita que o contato com a realidade prisional tenha efeito positivo em crianças e adolescentes que assimilarem que a situação de privação de liberdade é ruim. “Podem ver os pais naquele sofrimento como algo negativo e não desejarem ter uma vida assim”. 

A Seap afirma que irá implantar espaços de convivência entre mães e filhos a partir de2017, para que a visita da família não seja uma experiência traumática. “Vamos criar um local lúdico para que as mães não tenham que receber as crianças em um ambiente penitenciário. Prisão não é lugar de criança”, ressalta Louise.

Nomes fictícios 


 

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