Referência no Brasil, alta complexidade do SUS convive com o desafio de acelerar o diagnóstico

Aline Louise - Hoje em Dia
17/12/2015 às 07:47.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:22
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Na sala de quimioterapia do Hospital Alberto Cavalcante, no bairro Padre Eustáquio, região Noroeste da capital, a dona de casa Célia Miranda, de 46 anos, se prepara para mais um sessão. O desconforto, o mal-estar e a queda do cabelo, efeitos colaterais do tratamento, ela conhece bem. É o segundo câncer de mama que Célia enfrenta.

A dona de casa faz todo o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), da aquisição de remédios à reconstrução do seio. “Acho o atendimento legal. O SUS não é de todo um mau negócio para os pobres. Faço um tratamento diário e eu gastaria muito se não fosse pela rede pública”, avalia.

Como Célia, cerca de 80% das pessoas em tratamento contra o câncer o fazem pelo SUS, referência em alta complexidade, uma vez que muitos planos de saúde não oferecem tal cobertura e encaminham os pacientes a hospitais públicos. É o que destaca a professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Eli Iola Gurgel Andrade.

“A alta complexidade está toda praticamente no SUS. Ele é responsável pela maioria das quimioterapias, quase a totalidade de transplantes e hemodiálise, além de cirurgias, internações, urgência e emergência. Os planos de saúde menores vão drenando esse tipo de assistência para o SUS, porque são os atendimentos mais caros”, explica a especialista. Ela faz parte da diretoria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

“Se um paciente entra no sistema para tratar uma doença que exige atenção de alta complexidade, de modo geral, ele consegue”, garante o diretor-geral do Hospital Alberto Cavalcanti, Cláudio Antônio de Souza. O problema maior, segundo ele, está no diagnóstico da doença.
 
Insistência

Por falhas no atendimento básico e secundário, muitas vezes o diagnóstico é demorado. Se não fosse a insistência da vendedora Carolina Clarice Gonçalves, de 53 anos, ela poderia estar convivendo com um câncer ainda não detectado. Ela afirma que recentemente sentiu dor no braço.

Ao apalpar a região, próxima ao seio, Clarice percebeu o caroço. No posto de saúde, a médica disse a ela “que não era nada”, mas a paciente não aceitou finalizar a consulta sem um pedido de exame.

A vendedora conseguiu fazer mamografia no Hospital Sofia Feldman. Com o resultado em mãos, voltou ao posto, para que a médica, que é clínica-geral e ginecologista, desse uma olhada. “Quando ela viu o exame, me disse: ‘Carolina, você está se preocupando a toa’”.

Mas a vendedora não se conformou. Foi à sala da gerente do posto e exigiu o pedido de ultrassonografia. “Tentaram me acalmar. Mas eu estava sentindo o caroço enorme e dor. Depois que eu comecei a chorar e dizer que não ia embora sem uma declaração por escrito da forma como eu estava sendo atendida, a médica pediu uma consulta no Odilon Behrens”.

A consulta com o mastologista saiu em uma semana. “O médico olhou e chamou um assistente. Eu perguntei se era grave e ele disse assim: ‘A senhora nunca acompanhou um caroço tão grande?’”

Imediatamente, o médico levou Carolina para fazer uma pulsão. O resultado foi um tumor maligno. “Isso mostra a irresponsabilidade da médica do posto de saúde, que me disse pra ficar tranquila, pois não era nada”, diz, indignada.

Tratamento

Agora, Carolina faz o tratamento no Alberto Cavalcante, referência em câncer em BH. Começou com a quimioterapia, mas o tumor aumentou.

Após uma ultrassonografia no abdômen, ela descobriu dois nódulos no fígado. “A médica indicou cirurgia imediata, disse que não posso esperar. Mas estou aguardando uma ressonância com pedido de urgência, que não sai”, lamenta.

O diretor-geral do hospital reconhece que faltam mão de obra qualificada, tecnologia e recursos para atender a demanda de exames. “Às vezes, o paciente espera meses, um ano para fazer um exame. Aqui no hospital, o SUS fornece tudo que precisamos hoje. Mas, se não fizer na hora certa, passou. A medicina é dependente do tempo”, diz Souza.

Serviço de transplante precisa ser aprimorado para reduzir fila

O Brasil é o segundo país do mundo em quantidade de transplantes e 80% são feitos na rede pública. E nos procedimentos de hemodiálise, 97% são pelo SUS. O fonoaudiólogo Hudson André de Jesus, de 41 anos, foi um destes pacientes de 2005 a 2012.

Em 1999, ele foi diagnosticado com uma doença genética: rins policísticos, problema que faz com que os órgãos parem de funcionar com o tempo. “Primeiro, fiz um tratamento conservador, por meio de um plano de saúde. Quando os rins realmente pararam de funcionar, fui para o SUS fazer hemodiálise”, diz.

Foram longos sete anos à espera de um doador. Ele ficou afastado do trabalho pelo INSS e teve os estudos prejudicados. Mas, em 2012, a boa notícia chegou. Os médicos encontraram um doador compatível. Em 24 horas, Hudson estava com o órgão novo, teve alta em uma semana e saiu do hospital com o rim funcionando.

“Eu acho que essa é a parte do SUS que mais funciona. Para mim, foi nota dez. Fiz todo o tratamento, os exames, a cirurgia, e recebo os medicamentos, que são caros. Devo toma-los pelo resto da vida e consigo tudo pelo SUS. O plano de saúde não me daria cobertura tão ampla”, avalia.

Deixar de fazer a hemodiálise teve um significado duplo para ele: ter mais qualidade de vida e abrir espaço para o tratamento de outros pacientes. “Às vezes, a pessoa precisa e não tem vaga”, ressalta.

Grande demanda

Para o transplante, a fila também é sempre grande, “em qualquer lugar do mundo”, como destaca o diretor do MG Transplantes, Omar Lopes Cançado. Segundo ele, a necessidade de transplantes é maior que a quantidade de doadores disponíveis.

Omar faz um apelo: “Precisamos estimular a doação de órgãos, porque depende da solidariedade das famílias de pessoas com morte encefálica”. De acordo com o diretor do MG Transplantes, um único doador pode salvar a vida de até dez pessoas.

“Em Minas, a taxa de recusa ao transplante é de cerca de 35% das famílias abordadas. Podemos melhorar este índice, apesar de estar abaixo da taxa nacional, que gira em torno de 40%. O aceitável seria entre 15 a 20% de recusa”, destaca.

Desinformação

A mudança desse quadro só se dará com informação e desmistificação da doação de órgão. Omar esclarece que a morte encefálica não é o estado de coma. “É importante que as pessoas conversem entre si e falem da vontade de ser doador, porque depois da morte é a família que decide pela doação. E é muito difícil os parentes serem contra a vontade que a pessoa tinha em vida”, diz.

Apesar de considerar satisfatório o atendimento do SUS relacionado a transplantes, ele avalia que o sistema pode ser aprimorado. “A cobertura é muito ampla e bem distribuída em todo país, tanto no pré-transplante quanto na cirurgia e no acompanhamento posterior. Inclusive com toda a medicação imunodepressora. O gargalo é o acesso, a fila. Alguns pacientes moram em lugares mais remotos, porque o serviço está mais concentrado nas grandes metrópoles”, afirma.

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