Relacionamento de presas com criminosos pode influenciar filhos a seguir a mesma trajetória

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
09/12/2016 às 20:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:01

Mãe solteira pobre se apaixona por um traficante. O homem acolhe a mulher e os futuros enteados, dando a todos boas condições de vida. Muitas vezes, a companheira sabe dos crimes e até participa deles. Essa é a história de Joana Pereira* e de tantas outras mulheres que se envolveram na criminalidade, foram parar atrás das grades e ainda viram os filhos e filhas seguirem a mesma trajetória fora da lei.

Conforme o Hoje em Dia mostrou na edição de ontem, 46% das detentas da penitenciária feminina Estevão Pinto, em Belo Horizonte, têm filhos cumprindo ou que já cumpriram medidas socioeducativas. Alguns meninos, autores de ato infracional grave, estão em centros de internação. Vários fatores ajudam a explicar a estatística e um deles é a má influência dentro da própria casa.

Responsáveis por criar as crianças sozinhas, sem a ajuda dos pais, as mulheres encontram alento no novo companheiro envolvido em delitos. Convivendo em um ambiente em que o sustento da casa vem por meios ilícitos, os filhos acabam vendo a criminalidade como o caminho natural a ser seguido.

Exemplo

Cumprindo pena por tráfico de drogas na Estevão Pinto, Joana teve o ex-marido assassinado e o atual companheiro está preso. Um dos filhos dela cometeu assalto à mão armada e hoje está em um centro para menores infratores. 

“Não temos que carregar uma estrela no peito com o estigma da criminalidade. Quero que meu menino deixe a cadeia e saiba que pagamos nossa pena e que é possível ressocializar e ter uma vida normal”, afirma a detenta, planejando abrir um salão de beleza para ela e o garoto. A mulher, por outro lado, se orgulha da filha de 22 anos, que fez faculdade, trabalha como vendedora e mantém a família sozinha.

Sentimento de culpa

Assim como outras presidiárias, Joana sente-se culpada em ver o filho no mundo do crime. O sentimento, dizem especialistas, é um caminho fácil e equivocado para explicar uma situação de vulnerabilidade social. “É comum as mulheres acharem que a responsabilidade é delas, mas não são só esses fatores que influenciam. O contexto é maior”, afirma a diretora da Associação Mineira de Educação Continuada (Asmec), Andrea Ferreira, que promove cursos para detentos e egressos do sistema prisional. A entidade elaborou o levantamento da situação das presas na Estevão Pinto.

Trabalho, comunidade local e escola também explicam a trajetória criminal de uma pessoa, diz o sociólogo Bráulio Figueiredo, pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, da UFMG. “Há uma série de variáveis relacionadas à entrada no crime. Se o filho ia sempre à escola e tinha acompanhamento educacional, se foi criado em família com o pai ou por outras pessoas, o local onde mora assim como se precisou arranjar emprego cedo”.

Por outro lado, outras situações favorecem a saída da criminalidade, como casar-se com uma pessoa idônea, arranjar um trabalho ou apegar-se a uma religião, explica o sociólogo. “A maior taxa de ocorrência de crimes se dá entre os 17 e os 25 anos. Depois, há o início de um processo de redução. Eles deixam essa trajetória ou porque casam, ou porque têm filhos. Inclusive, viver na ilegalidade é cansativo e pode matar. Muitos jovens morrem antes dos 30 anos porque é nessa fase que há o ápice do desenvolvimento”, afirma Bráulio.

*Nome fictício

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