Sem assistência familiar 50 pacientes moram em unidades de saúde de BH

Renato Fonseca - Hoje em Dia
08/06/2015 às 06:22.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:23
 (Carlos Henrique/Hoje em Dia)

(Carlos Henrique/Hoje em Dia)

Os laços familiares foram rompidos inesperadamente. Agora, o cuidado e a atenção vêm de pessoas até há pouco tempo desconhecidas: profissionais da área de saúde. Internados para tratamentos diversos, pacientes enfrentam situações dramáticas em hospitais de Belo Horizonte. Mesmo curados e com alta médica, estão impossibilitados de voltar para casa. Eles foram abandonados por parentes e amigos e viram os poucos metros quadrados próximos ao leito se transformar em lar.   Atualmente, 50 pessoas se encontram nessa situação na capital. São histórias carregadas de dor, angústia e incerteza. Idosos e pacientes psiquiátricos são os mais comuns. Há casos de residente de BH, do interior e até de outros estados. Os motivos para a permanência prolongada são variados, mas quase sempre associados a dificuldades financeiras, histórico de brigas familiares ou sumiço dos responsáveis.   No hospital-casa, a vida se resume a ficar deitado na cama e realizar caminhadas curtas pelos corredores. Ninguém pode sair sem autorização. A maioria divide os apertados quartos e tem poucos pertences pessoais. Assistência variada é oferecida pelas instituições como terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia e acompanhamento nutricional.   Quase metade dos pacientes está na Santa Casa de BH, na Região Hospitalar. São 24 casos, alguns deles há muito tempo, como o do ex-carpinteiro Mauro de Araújo Chaves, de 81 anos. Natural de Santo Antônio do Amparo, no Centro-Oeste mineiro, ele mora na unidade desde 2012.   Com histórico de alcoolismo e diabetes, ele conta que a única parente viva é uma irmã moradora de Ibirité, na Grande BH. Mauro evita falar dela, mas deixa claro que a relação não é das melhores. Com parte do pé amputado, ele carece de cuidados especiais e não há qualquer perspectiva para deixar o hospital.   No mesmo espaço   Companheiro de quarto de Mauro, o paciente Fábio Francisco de Jesus, de 70 anos, está na Santa Casa desde novembro do ano passado. Bastante debilitado, fica deitado o dia inteiro e evitar informar o porque da internação. Por questões éticas, os funcionários também não dão detalhes.   Nascido e criado em Conceição do Mato Dentro, na região Central de Minas, Fábio é um homem de poucas palavras, mas revela um sonho. “Quero um dia voltar na Carumbeiro”, afirma. Ele se refere à fazenda onde trabalhou durante anos antes de vir para BH. “Lá fazia de tudo, mas gostava era de tocar a boiada”. O paciente morava com a mãe e não tem outros parentes.   Acolhimento dos funcionários é fundamental   Em meio ao inevitável ócio, muitos pacientes se viram com o pouco que têm ao alcance. Morando na Santa Casa há cinco meses, Ana Maria Profiro, de 49 anos, aprendeu a fazer bordado para passar o tempo. “Foi um dos doutores que ensinou. Adorei”, diz.   Internada após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), Ana Maria conta que morava de favor em uma casa no bairro Solimões, na zona Norte de BH. Ela conta que não tem para onde ir e perdeu contato com a filha, de 26, que morava em São Domingos do Prata, na região Central.   Segundo a paciente, a vida no hospital é difícil, mas ela agradece por poder ficar n o espaço. “Tem hora que dá vontade de chorar. A gente fica muito chateado, mas não dá para descarregar nas pessoas que trabalham aqui. São eles que cuidam de nós”.   Psicóloga da unidade de saúde, Neide Maria de Assis Batista conta que o acolhimento é fundamental. “Às vezes basta um simples aperto de mão ou um bom dia”, resume.   Mesma opinião sobre a importância do trabalho realizado nos hospitais tem a gerente da clinica médica do Odilon Behrens, Lilian Santos Cardos dos Gontijo. Vários casos já passaram pela instituição e, atualmente, há um idoso de 61 anos. “Esses pacientes estão em um estado de fragilidade social muito grande e a assistência é importantíssima”.   Falta de assistência dos parentes pode dar cadeia, mas medida raramente é tomada  

Ana Maria Profiro (Foto: Carlos Henrique/Hoje em Dia)   Conhecida nos corredores das unidades de saúde como “internação social”, a permanência é oficialmente caracterizada após o recebimento da alta e a inexistência de familiares ou impossibilidade de local para ficarem. A falta de assistência dos parentes pode dar cadeia pelo crime de abandono de incapaz.   O Ministério Público Estadual (MPE) pode acionar a polícia e pedir a instauração de um inquérito. Porém, segundo a Promotoria de Saúde do órgão, essa opção só é feita em casos extremos. “Nosso trabalho visa o diálogo. Tentamos restabelecer os laços. Do contrário, o vínculo familiar que já está desgastado tende a pior ainda mais com uma ação na Justiça”, diz o promotor Bruno Alexander Vieira Soares.   Nos casos em que não há acordo ou os parentes não são localizados, o MP cobra uma assistência integral da prefeitura, que deve disponibilizar vagas em abrigos ou casas terapêuticas. O promotor, no entanto, destaca que a falta de vagas é recorrente na cidade.   Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que o trabalho com esses pacientes teve início em setembro de 2013, “frente à percepção de que estas pessoas ocupavam um leito hospitalar sem depender mais de cuidados médicos em regime de internação”. O projeto é desenvolvido em parceria com a Secretaria de Assistência Social (SMAAS).   Segundo a SMAAS, existe uma unidade de pós alta hospitalar voltada ao atendimento de moradores de rua. Porém, são apenas 20 vagas preenchidas de acordo com a articulação da rede. Nos demais casos é observada a faixa etária dos pacientes. Em relação a crianças e adolescentes, a solicitação do acolhimento é feita pela Vara da Infância.

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