Superintendência do Iphan em Minas encara desafios em meio à crise financeira

Alessandra Mendes
amfranca@hojeemdia.com.br
21/01/2017 às 15:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:30

Com 49 cidades abrigando bens tombados, os desafios para a área de proteção ao patrimônio em Minas não são pequenos para 2017. A missão é ainda mais difícil em um cenário de redução do orçamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A superintendência no Estado sequer sabe qual será o valor liberado para este ano. Seriam necessários R$ 10 milhões, foram pedidos R$ 3,5 milhões apenas para manter o que é considerado emergencial, mas ainda não foi batido o martelo para uma quantia para Minas.

Em meio a uma situação financeira delicada, a pasta tem que lidar com diversas questões importantes, como obras que precisam ser feitas e todo o processo relacionado ao tombamento do Complexo Moderno da Pampulha, agora patrimônio mundial da humanidade. O segredo, de acordo com a superintendente do Iphan em Minas, Célia Corsino, é manter o otimismo.

Apesar das circunstâncias, algumas novidades já podem ser esperadas, como o registro do Congado como Patrimônio Cultural Imaterial. Célia Corsino falou sobre esse e outros assunto em entrevista ao Hoje em Dia.

O país passa por um momento de crise, que impactou no orçamento de diversos órgãos. Qual o impacto para o Iphan e para a superintendência de Minas?
Eu não tenho nem o que dizer, porque não tenho nem notícia do orçamento deste ano para Minas. O que eu posso dizer a você é que o orçamento do Iphan é absolutamente ridículo para a área fim. Nós temos um mundo de coisas para fazer, para acudir, de obras emergenciais, e o Iphan se tiver R$ 18 milhões no Brasil inteiro, tem muito. Isso no orçamento normal. Então é muito pouco, e vem sofrendo uma redução sempre, apesar da gente executar todo o orçamento e não devolver dinheiro. Fora isso, nós temos o PAC das Cidades Históricas, mas isso é carimbado para as obras escolhidas. O PAC em Minas é em nove cidades, e eu tenho 49 municípios com bens tombados.

Como tocar este ano sem orçamento?
Eu já pedi o orçamento para Brasília. A gente trabalha com planejamento, então, no final do ano, eu mandei o que seria o emergencial em Minas Gerais. Sem fazer obra nenhuma, só o emergencial do emergencial, nosso orçamento não chega a R$ 3,5 milhões. Isso para o emergencial gritante, tipo assim, já fiz a licitação e se eu não empenhar o recurso eu vou perder.

Qual seria o necessário?
Eu acho que aqui a gente precisaria operar com R$ 10 milhões. Ainda não houve a descentralização do orçamento nacional, e eu digo a você que eu tenho acompanhado diariamente, e nem a parte de manutenção ainda está toda definida. No ano passado, nós já ajustamos as equipes para fazer economia. Claro que eu não estou falando de PAC, porque eu espero que esse ano a gente consiga uma boa fatia do PAC. 

E como ficou o PAC das Cidades Históricas para este ano, vai ter dinheiro para o programa?
Foram contratadas, em nível de Brasil, muitas obras e foram contratadas de forma parcial. Por exemplo, para uma obra de R$ 6 milhões foram empenhados R$ 3 milhões, então nesse ano precisa empenhar outros R$ 3 milhões. Então, não é que não vai ter dinheiro para o PAC, mas muito do dinheiro que o orçamento está liberando para o PAC já está comprometido com obras em andamento. 

Mas tem perspectiva para novas obras?
Tem perspectiva, nós temos que abrir novas obras. Em Minas Gerais é fundamental a gente começar novas obras porque nós temos poucas obras em andamento, nós demoramos para fazer os projetos, e os projetos são muito complexos.

Quais são as prioridades para obras em Minas?
Esse ano eu tenho uma prioridade em Belo Horizonte, que não pude fazer no ano passado, que é a Igreja da Pampulha, que só vai ser feita em 2018. Então agora uma coisa que não era tão prioritária mas virou, porque botaram fogo, é o conjunto das três casas da Rede Ferroviária, na Praça da Estação. O projeto para lá está pronto, eu vou agora fazer um super fechamento, para que não tenhamos mais a invasão que teve. E assim também vamos criar esse grande corredor cultural da Praça da Estação. 

E para o interior?
Em Mariana a prioridade máxima seria a Igreja de Camargos, porque ela já estava muito ruim, e a gente acredita que é uma área afetada pela questão do rompimento da barragem da Samarco. Em Ouro Preto, eu tenho duas igrejas que precisam urgentemente de obras: São Bartolomeu e Glaura. Em São João Del Rey, a prioridade é o complexo ferroviário, que está passando no dia 10 de fevereiro definitivamente para o Iphan, cujo projeto já está sendo finalizado e a gente espera fazer em conjunto com a parceria privada e a prefeitura o museu ferroviário de São João Del Rey.

Com relação à Pampulha, a Unesco fez uma série de recomendações de melhorias. Como está o andamento desse trabalho?
Nós estamos na Pampulha inaugurando um jeito de gestão diferente. Nós temos um comitê gestor, já estamos na sétima reunião, são 27 instituições (órgão públicos e privados) que discutem todas as coisas relativas à Pampulha. E vamos tirar as resoluções do comitê. Eu tenho que entregar um relatório em dezembro de 2017 dizendo o estado como está tudo, as restaurações e intervenções previstas, que incluem o Iate, a Igrejinha da Pampulha e outros itens no entorno. Ou você entrega tudo da forma como está previsto, ou tem que dizer porque não está da forma prevista e quando vai ficar da forma prevista. Isso é compromisso nacional. Eles têm que ver que a gente não está parado.

Entregar isso dessa forma para Unesco, dizendo que a obra ainda não está pronta, está apenas começando, é o suficiente?
Eu espero que sim. Eu confio muito nos nossos colegas e amigos que estão hoje na delegação brasileira da Unesco, o Itamaraty. O Itamaraty vai ter que fazer um trabalho bacana, junto ao Centro do Patrimônio Mundial. 

No âmbito de patrimônio imaterial, o que está sendo feito?
Nós trabalhamos sempre complementarmente, o Iepha fez o registro da Folia de Reis como patrimônio e agora nós vamos fazer o congado. A gente acredita que agora, depois do registro do reizado, a gente consiga fazer outras ações nesse sentido. Nós vamos fazer uma reunião em março com representantes de 200 grupos de congado em Uberlândia para explicar o que é a política de patrimônio imaterial, dizer que a gente quer fazer o registro e que queremos saber se eles querem fazer isso.

Quando deve sair esse registro do congado como patrimônio imaterial?
Eu vou lhe dizer que as coisas aqui são bastante demoradas. Então, como o registro é feito em nível nacional, isso tem que estar tudo pronto em dezembro para que a gente mande para Brasília. Lá eles analisam, fazem uma nota técnica, e vai para o Conselho Consultivo do Iphan. Então, sendo muito otimista, isso sai em 2018.

Qual a importância desse processo para esses bens imateriais?
Patrimônio imaterial não se tomba, se registra. O registro é uma coisa dinâmica, ninguém quer que a folia de reis fique igualzinha como era há 100 anos. Para sobreviver, ela tem que se atualizar. O patrimônio cultural imaterial se reinventa a cada minuto, por isso é feita uma reavaliação em 10 anos. A gente avalia que aquilo que não se mexeu, empobreceu. As mudanças representam a inserção de outras gerações nesse processo. Legitimamente você diz que aquilo ali é uma coisa importante, tem o retrato daquela região e a gente precisa então salvaguardar, inclusive por meio de políticas públicas.

Como é essa relação hoje entre a preservação do patrimônio e a exploração das áreas de interesse das empresas?
Essa relação com as empresas hoje já está mais pacificada. Não é que o empreendimento será proibido, mas serão discutidas opções que não tragam prejuízos para o patrimônio. A partir do impacto é que vamos ver qual a medida mitigadora ou compensatória. O conflito existe porque é mais um custo para o empreendedor, mas a gente, do Iphan, tem trabalhado com transparência e procurado ser sempre bastante ético e não pedir nada além do que está sendo colocado.

O jeito de se pensar o patrimônio mudou?
A complexidade hoje de discutir patrimônio cultural é essa, não se trata mais de discutir o barroco, é discutir a cidade e como a população se apropria daquele bem cultura. O desafio é grande. Tem muita coisa para fazer, mas sou otimista e acho que vai dar certo.

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