Tavessia Fatal: morte de mineiros rumo aos EUA joga luz sobre riscos de nova onda migratória

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
18/08/2017 às 20:16.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:09
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

A morte de quatro mineiros na fronteira do México com os Estados Unidos em menos de cinco meses reacende o alerta sobre a uma nova onda migratória para o país norte-americano. Dados levantados pelo Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) apontam que, em 2016, 322 brasileiros foram presos na mesma travessia. Um crescimento de 28% em relação ao ano anterior. 

As vítimas mineiras eram todas do Vale do Rio Doce ou Mucuri, regiões já conhecidas pelas redes de contato com coiotes (agentes que guiam imigrantes para entrarem clandestinamente nos Estados Unidos). No entanto, especialistas afirmam que o acesso ao destino final já não é mais tão fácil quanto no passado. 

A professora Carolina Pavese, coordenadora do curso de relações internacionais da PUC, afirma que entrar e permanecer ilegalmente nos Estados Unidos é, cada vez mais, uma ação de alto risco.

O Itamaraty afirma que o crescimento das migrações tem sido observado desde 2014; em 2017, cinco brasileiros já morreram na fronteira do México com os EUA, sendo quatro mineiros

Para ela, ainda que a crise e o alto desemprego por aqui deixem à beira do desespero vários brasileiros, as políticas americanas não têm sido receptivas a estrangeiros, o que deveria pesar antes da decisão de se buscar, clandestinamente, uma vida melhor nos Estados Unidos.

“Um estudo da ONU já mostra que, no primeiro semestre, as mortes na travessia via México cresceram 17%. Essa é a rota preferida dos brasileiros”, explica Carolina Pavese. 

Choque

Para as famílias dos jovens mortos na tentativa de cruzar o deserto mexicano para entrar nos Estados Unidos, o único sentimento é uma mistura de saudade e dor. Em alguns casos, o traslado para trazer o corpo do familiar para o Brasil se transforma em um tormento a mais às pessoas de menor poder aquisitivo.

Foi o que viveu a família de Lucas Batista, jovem de 30 anos da cidade de Teófilo Otoni, que morreu de desidratação depois de caminhar por dias e, após a exaustão, ser deixado pelo grupo que o acompanhava na divisa entre o México e os EUA. Para trazer o corpo do rapaz de volta para Minas, a família precisou realizar um financiamento coletivo dos R$ 12 mil necessários para cobrir os custos de transporte. 

Antes de viajar, Lucas batalhou para conseguir R$ 50 mil emprestados de parentes e amigos. O valor seria depositado na conta de um coiote assim que o jovem chegasse ao destino final. 

“Ele foi viajar na perspectiva de melhoria financeira e profissional. Ele estava totalmente desanimado e não tinha ideia do quanto seria perigoso”, relembra Andreia Batista, irmã de Lucas. 

Tragédia

Na família de Fabrício Santos, mineiro de Guanhães que morreu afogado no Rio Grande ao tentar fugir da patrulha americana, a notícia foi tão impactante que o pai do jovem precisou ser hospitalizado. 

O rapaz de 31 anos tentava entrar no território americano para encontrar com o filho e a ex-mulher que já viviam lá. Quem relata é Willian Santos, primo de Fabrício, que também morou ilegalmente nos Estados Unidos. 

“Soubemos que ele já estava muito frágil no dia da morte, não se alimentava direito. Ele já havia sido preso duas vezes e quando viu que poderia ser preso de novo, pulou na água”, explica.

Momentos de crise financeira podem motivar fuga do país

A crise econômica e a falta de oportunidades de trabalho no Brasil são apontadas por especialistas como uma das principais razões para o surgimento de novas ondas migratórias. O professor do Departamento de Sociologia da UFMG e especialista em migrações, Dimitri Fazito, afirma que, em momentos de crise, há tendência de aumento desses fluxos.

Ele destaca que, em regiões como o Leste mineiro, há redes ilegais que funcionam há décadas e voltam a ter grandes demandas em momentos como o de agora, quando não há oportunidades de trabalho para todos. “Em termos estatísticos, precisamos esperar um pouco para afirmar que já estamos vivendo essa onda, mas é uma hipótese bastante provável”, afirma.

Rotas

O advogado brasileiro Ludo Gardini, dono de um escritório de advocacia em Boston e habituado a prestar assistência jurídica a imigrantes, explica que, com o aumento do cerco na fronteira com o México, muitos brasileiros tentam chegar aos Estados Unidos pelas Bahamas, indo de barco, ou pelo Canadá, entrando por Nova York. “Há ainda a opção de vir pela Califórnia, o que é mais raro”, comenta.

Apesar das alternativas, Gardini afirma que o risco de óbito é alto em ambos os casos. “Se morre de fome, frio, sede ou até por maus-tratos dos coiotes. Quando isso acontece fora do território americano não há muito o que fazer. As autoridades do país encerram o caso”, destaca.

Quem chega ilegalmente aos Estados Unidos dificilmente consegue permanecer por muito tempo. A única exceção é para os que entram com um pedido de asilo. No entanto, essa permissão só é concedida em casos comprovados de perseguição. “Para um brasileiro é praticamente impossível conseguir”, afirma Gardini.

Com colaboração de Anderson Rocha
 Editoria de Arte

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