Treze prisões por atraso na pensão alimentícia são feitas por dia em Minas

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
22/02/2018 às 20:03.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:31
 (Flávio Tavares / Arquivo Hoje em Dia)

(Flávio Tavares / Arquivo Hoje em Dia)

A prisão do ator Dado Dolabella e as ordens para detenção do cantor Latino e do ex-jogador de vôlei Giba, por deixarem de pagar pensão alimentícia, movimentaram as redes sociais nos últimos dias. Porém, fora dos holofotes, e em muitos casos devido a cifras bem menos expressivas, 13 pessoas, em média, vão para a cadeia pelo mesmo motivo todos os dias em Minas Gerais. 

Dados da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) apontam que, somente em 2017, 4.896 encaminhamentos foram feitos aos presídios por descumprimento da lei – aumento de 11,8% se comparado ao ano anterior. Atualmente, 460 pessoas estão detidas por deixar de pagar o benefício. A norma prevê penas de um a três meses em regime fechado e cela separada dos detentos acautelados por outros motivos.

Em muitos casos, a prisão do devedor é, de acordo com Juliana Lobato, ex-presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais (OAB-MG), a única forma de fazer com que a pensão alimentícia seja paga.

de R$ 60 mil e R$ 82 mil

Alternativa

Solicitar judicialmente a prisão do ex-marido foi a alternativa que a psicóloga Marcela*, de 49 anos, encontrou para tentar receber os quase R$ 200 mil que ele teria que pagar aos filhos do casal. Segundo a mulher, o ex-companheiro é empresário do ramo de construção civil, mas alega não ter condições de arcar com o montante estipulado pela Justiça. Por conta disso, quita apenas parte do valor.

A causa já foi julgada e o pedido de Marcela foi atendido, mas o juiz responsável pelo caso ainda não decretou a prisão do ex. O pagamento também não foi feito.

Para manter escola, plano de saúde, alimentação e todos os gastos dos filhos, a psicóloga trabalha 12 horas por dia. Por causa da rotina, ela adoeceu. “Até a casa onde moramos foi a leilão. Tive que pegar dinheiro emprestado para não perder o imóvel”, lamenta.

Crueldade

A advogada Juliana Lobato defende a prisão para quem deixa de pagar o benefício. “A pensão alimentícia tem como premissa a solidariedade entre parentes e terá o valor definido de acordo com as necessidades de um lado e com as condições de prover do outro. Deixar de cumprir com esse compromisso é cruel”, avalia.

Por outro lado, há quem diga se sentir lesado pela lei. É o caso do comerciante Rafael*, de 47 anos, que teve que se esconder da polícia por 24 meses para não ir parar atrás das grades.

Ele tem duas filhas com a ex-companheira. Judicialmente, Rafael teria que pagar seis salários mínimos para as meninas.

Alegando que elas estudam em escola pública, o comerciante discorda do montante. “Sem sentido. Só consegui voltar a viver quando a própria Justiça reduziu esse valor”, diz.

18,6 mil ações judiciais chegaram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, de 2014 a 2017, por causa de pensão alimentícia

Medo 

No Tribunal de Justiça mineiro, somente em 2017 foram impetradas 4.846 ações contra devedores de pensão alimentícia. Os números tanto de prisões quanto de ações poderiam ser maiores, mas o medo de expor os filhos leva muitas mulheres a desistir de uma batalha judicial mais pesada.

Para a advogada Lúcia*, de 33 anos, pedir a detenção do ex-marido, que deve cerca de R$ 12 mil, poderia afetar o filho de 11 anos. “Na Justiça é possível a execução para o pagamento ou prisão. Não quis pedir a prisão, sei que meu filho sofreria”, diz.

A ex-presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-MG Juliana Lobato concorda que, de fato, o processo é desgastante. “A parte citada pode recorrer e tentar provar que não tem condições de pagar, o que desestimula algumas pessoas a buscar o direito, o que é uma pena”.

Enquanto aguarda receber o valor devido pelo ex-companheiro, Lúcia cuida sozinha do filho. O garoto teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e precisa de acompanhamento médico, exigindo gastos extras. Além disso, segundo a mãe, o pai não dá apoio emocional. “Ele nunca foi de participar. A cada 15 dias leva o filho para casa, mas no dia a dia tudo fica por minha conta”, afirma.

Passar aperto financeiro é comum entre quem tem direito ao benefício, mas não recebe o pagamento. “Quase fomos despejadas da casa onde morávamos”, conta a corretora de imóveis Liliane*, de 35 anos.

Divorciada desde 2010, só agora ela decidiu oficializar na Justiça a pensão para a filha de 9 anos. Antes, o ex-marido arcava com o que achava justo. Porém, a ajuda dele vem diminuindo e Liliane teve outro filho, hoje com sete meses. “Antes, as coisas eram mais tranquilas. Mas veio a crise, engravidei e cheguei a um ponto que precisei ir à Justiça. Ele, agora, está brigando pela guarda da nossa filha, para não ter que pagar pensão”. 

“Temos uma rotina pesada de tratamento médico com vários profissionais, e, às vezes, deixo de pegar clientes para dar conta. Preciso da ajuda do pai dele” (Lúcia, advogada que briga na justiça para receber pensão do ex-companheiro para o filho, que teve AVC)

Alta demanda

Uma das principais demandas atendidas pela Defensoria Pública de Belo Horizonte refere-se à pensão alimentícia. Segundo a coordenadora Regional de Famílias e Sucessões da Capital, Michelle Lopes Mascarenhas Glaeser, em setembro do ano passado, 91 das 414 ações na área da família tinham ligação com o tema.

A defensora explica que o novo Código de Processo Civil trouxe alterações importantes com relação à cobrança da dívida alimentar, tornado o processo mais rígido. A obrigatoriedade de a pena ser cumprida em regime fechado é uma delas – antes, havia possibilidade de ser em semiaberto. Outra mudança é, quando definido na Justiça, a possibilidade de se descontar o montante atrasado diretamente nos rendimentos do devedor.

A internet também tem sido uma grande aliada na cobrança de pensão alimentícia. Vários juízes estão aceitado fotos de ostentação nas redes sociais dos “caloteiros” como prova de que eles teriam condições de quitar a dívida, como já mostrado em matéria publicada no Hoje em Dia em janeiro deste ano.

“Eu já tive que ouvir da advogada do meu ex que preciso reduzir o padrão de vida. Isso eu já fiz, mas não tem como desligar os filhos ou deixar de proporcionar tudo para eles. Não é tão simples” (Marcela)

Casos famosos
- O ex-jogador de futebol Edilson, conhecido como “Capetinha”, ficou quatro dias preso no ano passado por não pagar a pensão alimentícia

- Roberto Carlos, ex-lateral esquerdo da Seleção Brasileira, chegou a ter a detenção decretada pela Justiça por uma dívida com os filhos. Ele se livrou da cadeia ao pagar o valor devido

- Em 2009, o ex-jogador e atual senador Romário foi preso por não pagar a pensão aos dois filhos que teve com a ex-mulher Mônica Santoro

- Após ficar três meses sem pagar a pensão à filha, em 2013 o ator Maurício Mattar chegou a ser chamado pela Justiça para prestar contas sobre o caso

 - O cantor Gian, da dupla sertaneja Gian e Giovani, teve prisão decretada em 2012 por causa de dívida alimentícia

“Minha ex-esposa tinha ficado com nossa lanchonete na divisão de bens. Ela quase quebrou o negócio, e eu fiquei sem renda para pagar a pensão. Mesmo assim, a polícia foi atrás de mim. Agora consegui retomar as rédeas da minha vida” (Rafael)

*Nomes fictíciosEditoria de Arte

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