Vapor Benjamim Guimarães será reformado para voltar a navegar no rio São Francisco

Ernesto Braga
eleal@hojeemdia.com.br
23/09/2016 às 17:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:57
 (Ivan Rodrigues/Divulgação)

(Ivan Rodrigues/Divulgação)

O Benjamim Guimarães será retirado pela primeira vez das águas do São Francisco desde a década de 1920, quando o vapor passou a navegar pelo rio da integração nacional. Mas, ao contrário de um ano e meio atrás, quando foi interrompido o passeio turístico com duração de três horas a bordo da embarcação, partindo de Pirapora, no Norte de Minas, agora há motivo para comemorar.

O vapor será totalmente reformado. Ele terá de ser içado do rio para a instalação de chapas de aço no casco. “Já foram feitos remendos no Benjamim Guimarães. Por falta de segurança, a Marinha não autoriza mais que ele navegue. Dessa vez, o vapor passará por uma reforma mais complexa e cara. Para isso, precisará ser retirado das águas”, explica Michele Arroyo, presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).

Como o vapor é tombado pelo patrimônio estadual, coube ao Iepha abrir licitação para contratar o projeto executivo, que vai apontar o que precisa ser restaurado. Em seguida, outra concorrência pública será lançada para a execução da reforma. A previsão é a de que o Benjamim Guimarães volte a navegar pelo São Francisco até o início de 2018.

O gasto estimado é de R$ 85 mil com o projeto executivo, que deverá ter a chancela de um engenheiro naval, e cerca de R$ 3 milhões na restauração. “A parte mais cara é a do casco. Os elementos de madeira da embarcação não estão tão danificados. Tudo será feito ao mesmo tempo e em Pirapora, com capacitação de mão de obra local”, diz Michele Arroyo. O mobiliário original do barco será mantido.

Pequenas rotas

Segundo a presidente do Iepha, a única embarcação a vapor em atividade no mundo será devolvida ao rio para voltar a fazer pequenos passeios turísticos, como entre Pirapora e Barra de Guaicuí, distrito de Várzea da Palma. O baixo nível do São Francisco e a tecnologia da embarcação, que navega lentamente (máximo 8 milhas/h, ou 14,8 quilômetros em uma hora), inviabilizam a retomada do transporte de pessoas e cargas.

Tarefa que por décadas fez parte da rotina do comandante Manoel Mariano da Cunha, de 88 anos. Ele é saudosista ao falar do tempo que gastava até oito dias para descer o São Francisco, de Pirapora a Juazeiro (BA), e 14 na subida dos 1.371 quilômetros entre os dois municípios.

“Transportávamos até 700 passageiros no trecho. Havia atracações em cerca de 40 portos ao longo do caminho para embarque e desembarque de pessoas. Naquela época, também fazíamos o serviço dos Correios”, relembra.

O anúncio de que a embarcação será reformada é um presente pelos 515 anos do São Francisco, que faz aniversário em 4 de outubro. O rio foi descoberto em 1501 numa expedição do navegador Américo Vespúcio.
Satisfeito com a notícia, o comandante sonha mais alto. “Depois da restauração do vapor, quando tudo estiver normalizado, seria bom se o São Francisco voltasse a ter água suficiente para que o Benjamim Guimarães pudesse chegar de novo a Juazeiro”, diz.

História espalhada pelo mundo após três horas de navegação

Baiano de Pilão Arcado, Manoel Mariano da Cunha chegou a Pirapora em 1944, aos 16 anos, levado por outro condutor de embarcações a vapor. Desde então, tem a vida ligada ao Benjamim Guimarães.

Comandou a embarcação até um ano e meio atrás, quando, por falta de segurança, foram interrompidos os passeios turísticos dominicais pelo São Francisco. “Às vezes tinha passeio sábado também, mas o mais certo era o de domingo, das 10h às 13h. Era uma hora descendo e duas horas subindo o rio”, relembra.

Em nove anos de leme do Benjamim Guimarães, Manoel perdeu as contas de quantos turistas, entre eles muitos estrangeiros, embarcaram no vapor. “As três horas de passeio eram suficientes para que as pessoas se inteirassem de tudo na embarcação, do funcionamento da casa de máquinas, dos camarotes. Tudo dentro dela é original”, diz.

Segundo o comandante, era raro ter três passeios seguidos sem um turista estrangeiro. “Vinha gente de todos os cantos do Brasil e do mundo: alemães, italianos, dos Estados Unidos e países da África”. Atracado, o vapor continua recebendo visitação turística. “Três tripulantes são responsáveis pela conservação”, diz.Arquivo Hoje em Dia / N/ATRADIÇÂO - Os elementos de madeira serão reformados, mas os imóveis originais preservados 

Currículo

Assim que chegou a Pirapora, Manoel ingressou na Navegação Mineira do Rio São Francisco, que era administrada pelo governo do Estado e posteriormente virou um braço da Marinha no Norte de Minas.

Ele começou a carreira como taifeiro, que exerce funções como a de garçom. Depois virou comissário, uma espécie de braço direito do comandante. “Foram 22 anos como comissário até fazer o curso de piloto fluvial, autorizado pela Marinha do Rio de Janeiro, que dá o credenciamento para comandar a embarcação”.

Ele também comandou vapores em afluentes do São Francisco, como os rios Paracatu, Barreiras e Santa Maria da Vitória.

Embarcação navegou pela última vez para virar "o gaiola encantado"

A morte do ator Domingos Montagner, protagonista da novela Velho Chico que se afogou no rio São Francisco, comoveu o país. Foi justamente para a gravação de cenas da obra de Benedito Ruy Barbosa que o comandante Manoel Mariano da Cunha conduziu o Benjamim Guimarães pela última vez.

Na trama, o vapor foi chamado de “o gaiola encantado”. A personagem Encarnação, interpretada pela atriz Selma Egrei, tinha visões de pessoas que já morreram a bordo da embarcação.

Em 28 de fevereiro, o Benjamim Guimarães voltou a navegar para as filmagens da novela, que se encerraram em março.

Valor histórico reconhecido em festa para receber a tocha olímpica

Em 9 de maio, o Benjamim Guimarães foi o cenário escolhido para a passagem da tocha olímpica em Minas. A cerimônia foi marcada por apresentações que remetem à cultura barranqueira e ao povo de Pirapora.

A bordo do vapor, o comandante Manoel recebeu a tocha olímpica das mãos de Luís Henrique, ex-jogador da Seleção Brasileira de futebol nascido em Jequitaí, próximo a Pirapora.

Construída nos Estados Unidos, no Vale do Mississipi, a embarcação foi trazida ao Brasil em 1913, para a bacia do rio Amazonas, passando a navegar no São Francisco alguns anos depois. Reconhecido oficialmente como patrimônio cultural municipal e estadual, o vapor foi tombado pelo Iepha em 1985 e incorporado ao patrimônio histórico de Pirapora em 1997.

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