Afogado em vergonha: sentimento impede que endividados exponham problema e busquem solução

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
26/03/2017 às 08:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:53

Solução para uns, motivo da dor de cabeça para outros. Quando a dificuldade em lidar com dinheiro e controlar gastos se torna causa de conflito interno e isolamento, é hora de ligar o alerta. Sentimento comum a quase metade dos brasileiros inadimplentes – conforme pesquisa do SPC Brasil –, a vergonha pode transformar o endividamento em um caminho quase sem volta.

Poliana, Ronaldo e Janaína* compartilham do mesmo drama. Em comum, têm não só a doença do consumismo, a oneomania, mas a dificuldade em assumir e dividir com amigos e familiares o pesadelo das dívidas. “Nunca fui de me aconselhar. Guardava o problema e fazia até bobagem. Embora fossem situações muito estressantes, sabia que se falasse para alguém seria julgada”, justifica Poliana, de 38 anos.

Culpa

A sensação da assistente social, que, desempregada, tem sido forçada a repensar novos gastos, não é raridade. Uma pesquisa do SPC Brasil, feita no fim do ano passado, mostrou que o sentimento de vergonha é uma constante na vida dos inadimplentes: 43% dos 58 milhões de brasileiros endividados padecem desse mal. 

Culpar-se e envergonhar-se, no entanto, geram um círculo vicioso e só ajudam a cavar um buraco mais profundo. De acordo com o psiquiatra e psicanalista Mário Louzã, de São Paulo, o ato de esconder as dívidas expõe um problema maior: o descontentamento, inconsciente, e o arrependimento da situação.

“Com certa frequência, essas pessoas param e pensam que o produto comprado não tem função nenhuma e não tinha razão de ser. O prazer está no ato de comprar e não de possuir o objeto”, explica.

O especialista ressalta que admitir o “erro” e abrir o jogo, não importa com quem seja, é um passo decisivo para livrar-se do problema. Não raro, situações como essa vão além do mau planejamento financeiro. “A pessoa pode ter se endividado por N motivos: porque perdeu o emprego, por não ter o hábito de se planejar ou por uma tendência a comportamentos compulsivos. Nesse caso, o tratamento é longo, medicamentoso e com terapia associada”, alerta. 

Luz no fim do túnel

A enfermeira Janaína, de 45 anos, buscou ajuda onde se sentiu acolhida. Compradora compulsiva, ela chegou a contrair uma dívida 200 vezes maior do que o salário que recebia – à época, menos de R$ 1 mil. A situação a atormentou por mais de 20 anos. Foi no grupo Devedores Anônimos (D.A.) que encontrou a ajuda necessária para buscar vida nova. 

“Não ganhava mal, mas nunca tinha dinheiro para nada, estava sempre no vermelho. Sabia que precisava de ajuda, mas tinha vergonha. Quando me dei conta da gravidade, procurei o D. A.”, detalha a moradora de Londrina, no Paraná, que participa das reuniões do grupo há cerca de um ano e meio. 

62% dos brasileiros não poupam dinheiro, gastam tudo o que ganham, conforme pesquisa do SPC Brasil divulgada em fevereiro

Espalhado por vários estados do país, o D.A. tem uma metodologia semelhante à dos Alcoólicos Anônimos. “Ainda estou saindo dessa. Mas, hoje, a conta fecha. Moro em um lugar bom, pago meu aluguel certinho e não devo mais ninguém. Também tenho uma poupança pequena”, relata, enumerando os ganhos de compartilhar o próprio drama.

Consumismo exagerado precisa ser tratado como doença

A necessidade de comprar sempre (e muito) e, como consequência frequente, de gastar mais do que se tem, pode mascarar transtornos que precisam de tratamento médico. De acordo com o psiquiatra Maurício Leão, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, comportamentos compulsivos são uma manifestação reativa à insatisfação, desconforto físico, infelicidade ou tristeza.

“É um desequilíbrio na normalidade psíquica. A compra passa a ser uma espécie de compensação para atenuar o desconforto. Desta maneira, a busca de algo está sempre presente. É uma doença”, afirma. 

O tratamento do distúrbio, quase sempre, exige uso de medicamento e psicoterapia. “É imperativo que se trate as causas. Na medida em que se consegue controlar o problema, passa-se a um comportamento dentro dos critérios culturais da normalidade”, diz.

Depoimento

“Não posso dizer que ‘era’ um gastador compulsivo, por não estar comprando agora por causa da falta de um trabalho. Se algum dinheiro chegar às minhas mãos, vou gastar novamente. Eu não era. Sou. A motivação era constante, diuturnamente. Sei que a oneomania é responsável, em parte, pela depressão ao longo da minha vida, bem como pelo sobrepeso e outros males, como a necessidade de ter minhas vontades atendidas. O detalhismo também é um sintoma, e tudo isso se junta e cria um círculo vicioso. Não dá mais para separar o que é causa e o que é consequência” - Ronaldo, 47 anos (desempregado)

* Nomes fictícios

Dicas do doutor em educação financeira Reinaldo Domingos para evitar o endividamento

1- Faça um diagnóstico financeiro e anote tudo o que ganha e o que gasta em 30 dias. Inclua desde o cafezinho pela manhã às compras da família no supermercado. 
2- Estabeleça propósitos de vida. Anote desejos individuais e também os coletivos. Defina quanto cada item custa e como o dinheiro para ele será guardado.  
3- O orçamento deve ser distribuído da seguinte forma: sonhos, prestações e reserva estratégica. É preciso reter o que de fato irá combater o excesso de gastos e, portanto, o endividamento não consciente: os sonhos.
4- Invista! Escolha o método mais adequado para a quantidade de dinheiro que terá disponível e comece a poupar. 

Veja mais dicas do educador e terapeuta financeiro no canal Dinheiro à Vista, no Youtube

Onde buscar ajuda:

- São Paulo:

Grupo Jardins
Local: Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro
Endereço: Rua Sampaio Vidal, 1055 - Jardins / São Paulo
Encontros: 
- Terças e quintas-feiras, das 18h às 20h
- Quartas-feiras, das 18h às 19h30
- Sábados, das 17h às 19hs
- Domingos, das 10h às 12h
Contato: devedoresanonimosspjardins@gmail.com

Grupo Pacaembu
Endereço: Rua Itápolis, 1020 - Pacaembu / São Paulo
Encontro: domingo, das 10h às 12h

Grupo Moema
Endereço: Praça Nossa Senhora da Aparecida, 191 / 3º andar (sala 17) - Moema / São Paulo
Encontro: segunda-feira, das 20h às 22h

- Ceará:

Grupo Benfica
Local: Associação dos ex-combatentes
Endereço: Rua dos Pracinhas, 951 - Benfica / Fortaleza
Encontro: quinta-feira, das 19h às 21h
Contato: (85) 3223-5456/8805-5216 e devedoresfortaleza@yahoo.com.br

- Paraná:

Grupo Londrina de DALocal: Catedral Metropolitana de Londrina
Endereço: Travessa Pe. Eugênio Herter, 33 - Centro / Londrina
Encontro: segunda-feira, das 19h30 às 20h30
Contatos: (43) 3339-3190/9606-7514 devedores1@bol.com.br e dald790@gmail.com
Comunidade no Google Plus: Devedores Antônimos Londrina - Grupo 790

- Rio de Janeiro:

Grupo Rio de Janeiro
Local: Igreja Santíssima Trindade
Endereço: Rua Senador Vergueiro, 141 - Flamengo / Rio de Janeiro
Encontro: quarta-feira, das 19h às 21h

- Grande do Sul:

Grupo Equilíbrio de D/A
Local: Igreja Sagrada Família
Endereço: Rua José do Patrocinio, 954 / Porto Alegre
Encontro: sábado, das 15h às 17h
Contato: (51) 9153-1050/8957-0197/9971-3556/8112-6150/9256-1736 e devedoresanonimosrs@gmail.com

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