Imagens que falam tudo: fotografia inclusiva transforma deficiências em detalhes

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
06/05/2017 às 18:44.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:26

Foram necessários dez anos para que a fotógrafa Ivna Sá visse despertar dentro de si uma sensibilidade até então desconhecida. Acostumada a clicar as formas comuns, ela permitiu que as limitações físicas do outro modificassem não só o próprio olhar por trás das câmeras, mas a ótica pela qual captava a beleza. Passou a transformar a deficiência em detalhe. 

Instrumento de inclusão, a fotografia de Ivna, que especializou-se em retratar famílias e mulheres, é um mecanismo de transformação social, mas também pessoal. “Percebi que o olhar da inclusão passa por tudo. As pessoas nunca estão satisfeitas consigo mesmas, e a fotografia abre nossos olhos para isso. Nos desperta para a importância de estar conectado ao outro”, detalha.

No ano passado, Ivna teve um primeiro contato com aquilo que considera ser mais precioso por trás das limitações físicas: a delicadeza escondida por uma condição especial. A fotógrafa produziu um ensaio com Pâmela Valentina, jovem de 25 anos que, em função de uma doença degenerativa, pesa apenas 25 quilos. A experiência foi um divisor de águas.Ivna Sá/Divulgação

Pâmela tem doença degenerativa e foi a primeira experiência inclusiva de Ivna Sá: “É possível incluir qualquer mulher, com seus dramas e dificuldades de autoaceitação”

“A fotografia da Pâmela reforçou meu conceito de beleza e me fez ver o quanto o que proponho é inclusivo. Fotografando-a, incluo qualquer mulher, com todos os seus dramas e dificuldades de autoaceitação”, comenta. 

Possibilidades

Depois de Pâmela, veio a oportunidade de proporcionar à estudante de psicologia Rafaela Alves Nunes, de 23 anos, a chance de se enxergar pela primeira vez depois de perder a visão, aos 7 anos. Além do ensaio, que incluiu produção de cabelo e maquiagem, a jovem ganhou uma seleção com dez fotos em um álbum transcrito em braile e pôde ouvira audiodescrição do trabalho realizado. 

“O resultado foi surpreendente. Pude criar minha própria opinião sobre as fotos sem ficar me baseando no que as outras pessoas acham de mim. Precisava desse momento para ter autoestima, me sentir bonita, elegante, e, talvez, ser um pouco vista também”, comenta.Ivna Sá/Divulgação

Rafaela viu o ensaio que fez por meio do álbum em braile: “Foi uma injeção de autoestima. Pude criar uma imagem própria de mim mesma"

Um dia

Na semana passada, Ivna acompanhou e registrou um dia da vida da aposentada Maria Aparecida dos Santos, de 49 anos. Aos 23, ela perdeu a visão por causa de um reumatismo e 16 anos depois deu à luz Karina, de quem cuidou sozinha, mesmo privada de enxergar. “As pessoas acham que vivemos na escuridão, mas só vejo o claro, vivo na luz. A fotografia é uma forma de mostrar que tudo é normal e que as pessoas que veem quase nunca valorizam o que têm”, diz.Flávio Tavares

Rotina de Cida (E), que perdeu a visão aos 23 anos e criou sozinha a filha, Karina, de 10, foi registrada pelas lentes de Ivna Sá

Novo olhar

A terapeuta ocupacional Isabella Freitas da Silveira também viu na fotografia a oportunidade de modificar o olhar, principalmente dos pais, sobre crianças que carregam no corpo fragilizado uma deficiência física. Por meio do projeto Vai e Vem, que teve financiamento coletivo, ela registrou 15 meninos e meninas carentes que têm em comum alguma dificuldade de locomoção. Isabella Freitas da Silveira/Divulgação

Davi Lucas, de 3 anos, teve paralisia cerebral e só consegue se locomover com cadeira de rodas; na fotografia, exibe as possibilidades que a vida lhe dá

“O objetivo principal é mostrar à própria família as possibilidades de ver a criança de forma diferente. São crianças que interagem muito pouco, mas que devem ser observadas para além da deficiência. A finalidade é desviar o olhar do problema e focar nas possibilidades com as quais essas crianças podem ser contempladas”, afirma. 

A segunda etapa do projeto criado por Isabella deve ser financiada coletivamente e receber recursos também de um outro ensaio, o Por Um Mundo Melhor. A ideia, explica a terapeuta ocupacional, é que mais crianças possam ser contempladas com as fotografias. "O Por Um Mundo Melhor será voltado para famílias que têm condições de pagar pelas fotos. Já o Vai e Vem continua com o mesmo intuito: presentar meninos e meninas de baixa renda", explica a fotógrafa. 

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Psicóloga usa Barbie para aumentar aceitação e facilitar diálogo com pacientes com deficiência

Há quase cinco anos, a psicóloga e fotógrafa Marta Alencar decidiu que o trabalho que desenvolve com pessoas com deficiência precisava ultrapassar os limites do consultório. Apostou as fichas que faltavam na fotografia, leve e criativa, para modificar o olhar do outro sobre as deficiências alheias. Mais do que isso: queria mudar a forma como quem carrega consigo algum tipo de limitação se enxerga e fala a respeito. Tina Descolada, uma Barbie cadeirante, foi o instrumento criado pela profissional para jogar luz sobre as deficiências, sejam elas quais forem. As fotos, que registram situações corriqueiras ou inusitadas, ajudam a quebrar tabus e a transformar, com certa dose de bom humor e até de fantasia, a autoestima, sobretudo dos cadeirantes. “A personagem toca todos, independentemente da idade. Utilizo a fotografia como instrumento de inclusão social e o objetivo é colaborar para a construção de um novo olhar, de uma identidade visual positiva das pessoas com deficiência”, afirma.Marta Alencar/Divulgação

Trabalho de Marta Alencar ajudou a paciente Alice, de 2 anos e 8 meses, a lidar melhor com a doença congênita

Fique por dentro

A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que permite transformar aquilo que é visto no que é ouvido. Por meio dele, que transcreve as situações de forma técnica, clara, objetiva, é possível que pessoas com deficiência visual tenham acesso a filmes, programas de TV, peças de teatro e, neste caso, a álbuns de fotografia. A descrição inclui todas as informações compreendidas visualmente, tais como expressões faciais e corporais, informações sobre o ambiente, figurinos e cenários.

Veja abaixo vídeo com audiodescrição do ensaio com Rafaela Alves e o momento em que ela recebe o álbum em braile

 Confira galeria com outras imagens dos ensaios feitos por Marta, Isabella e Ivna

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