‘Graduação e pós precisam se manter públicas na UFMG’, afirma nova reitora

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
23/04/2018 às 10:38.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:28
 (Flavio Tavares / Hoje em Dia)

(Flavio Tavares / Hoje em Dia)

Manter a qualidade acadêmica da principal universidade pública de Minas em um cenário de restrição orçamentária é o principal desafio da professora titular da Faculdade de Letras Sandra Goulart Almeida, eleita nova reitora da UFMG. Ela, que foi vice-reitora na última gestão, assumiu a direção da instituição em março. Com mais de 70% do capital para investimentos, como obras e compra de equipamentos, contingenciados, Sandra Goulart destaca que a prioridade do mandato é “preservar o ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil”. Confira a entrevista concedida ao Hoje em Dia

A UFMG é um dos berços de pesquisa do país. Como manter a qualidade do trabalho diante do contingenciamento orçamentário?

Desde o início de 2015 temos tido um contingenciamento orçamentário. Nós não cortamos bolsas, cortamos outras questões. Por exemplo, algumas obras estão paradas, como as dos anexos das escolas de Belas Artes e da Educação. O corte maior foi para recursos de capital e investimento, que é para a construção. Então, nosso esforço, daqui em diante, vai ser retomar essas obras que precisam ser concluídas. Conseguimos ainda, com todo o contingenciamento, entregar o Centro Didático da área de exatas, que é grande e atende toda a área de exatas, e também a moradia estudantil. O Brasil e as instituições de ensino superior, e de pesquisa, estão vindo de um momento muito propício, muito bom. Houve um grande desenvolvimento nos últimos anos. Qualquer tipo de descontinuidade nesse apoio à ciência e tecnologia vai ter esse impacto a longo prazo.

A UFMG abriu cotas para a pós-graduação e criou um mecanismo que é a declaração consubstanciada, quando o negro aprovado na modalidade deverá redigir de próprio punho uma carta com os motivos que justificam sua autodeclaração. Como a instituição pretende avançar nessa política de cotas?

O primeiro ponto é a importância que as cotas têm. Elas são parte da missão de uma universidade pública e gratuita como a UFMG. Nós não podemos, por causa de alguns questionamentos de supostas fraudes, inviabilizar ou enfraquecer essa política que é muito importante. Temos que melhorar esse mecanismo para que ele possa, de fato, atender àquelas pessoas que precisam ter acesso à universidade pública, tendo oportunidades melhores nas suas vidas. Nós seguimos a lei, que determina a autodeclaração. Temos um edital muito claro e partimos do pressuposto que todo mundo está agindo de boa-fé. Se houver alguma dúvida, nossa obrigação é averiguar. O importante é mudar a mentalidade. As pessoas precisam entender que a cota é benefício, é um direito, é uma compensação histórica. 

“Nós não podemos, por causa de alguns questionamentos de supostas fraudes, inviabilizar ou enfraquecer a política de cotas, que é muito importante”Sandra Goulart Almeida, reitora da UFMG

Nesse tempo que a UFMG já adota a reserva de vagas, o que foi percebido sobre o desempenho dos alunos cotistas?

Um dado que nos deixa muito orgulhosos é o fato de que, quando você compara a nota dos alunos que entraram por meio de cota e aqueles que entraram pela ampla concorrência, as notas são, geralmente, muito próximas, ou então melhores. Estamos conseguindo cumprir o nosso papel. Mas incluir, colocar o aluno dentro da universidade, é o primeiro passo. A partir daí você tem um trabalho para mantê-lo. A política de permanência é muito importante. Para isso, claro, a gente depende de recursos do governo federal também. Flavio Tavares / Hoje em Dia / N/A

Houve corte nas políticas de assistência estudantil?

Cerca de 33% dos 32 mil alunos da UFMG recebem algum tipo de assistência estudantil. O governo manteve, até o ano passado, a verba para esse benefício. Este ano eles cortaram capital e houve um pequeno decréscimo que nós vamos ver como podemos compensar.

De quanto?

Não é tão grande dentro do universo, mas o que cortaram, e que nos preocupa, é o valor de capital. Com essa verba nós construímos a Moradia Três, no ano passado, com 386 vagas. Chegamos ao total de 1.126 vagas. Com essa mudança na entrada na UFMG (pelo Sisu), é a maior demanda que nós temos, porque recebemos muitas pessoas do interior e de outros estados. Se essas pessoas não têm condições financeiras para manter um local para morar, elas saem do curso. Temos que dar essa acolhida logo no início. 

Nos últimos cinco anos, quase 10 mil alunos deixaram a UFMG. O que tem sido feito para combater a evasão?

A UFMG é muito séria com relação a isso. Nós não temos vagas ociosas. Ao final de todo semestre, temos as vagas remanescentes. Todas as vagas que não foram ocupadas aparecem de novo em um edital específico para obtenção de novo título, para segunda opção, para transferências e para outros tipos de entrada. Todo semestre nós temos esse edital. Esse ano mesmo foram somente quatro oportunidades não ocupadas. Somos muito cuidadosos: é uma universidade pública, com tanta demanda, como vamos ficar com vagas ociosas?

“A universidade pública no Brasil é distinta dos demais países porque é onde se faz pesquisa. O grosso da pesquisa e da inovação está nelas. Para nós, é importante manter essa gratuidade para manter a autonomia, a liberdade e a abertura para pessoas que, de fato, necessitam da universidade”Sandra Goulart Almeida, reitora da UFMG

Recentemente, o Hoje em Dia mostrou que alguns transtornos mentais atormentavam alunos da UFMG. O que tem sido feito sobre essa questão? Que tipo de apoio a universidade dá aos alunos, docentes e funcionários?

Os problemas de saúde mental são uma questão mundial, que atingem principalmente a população universitária e os jovens. A expectativa é que isso aumente nos próximos anos. Não cabe a nós tratar os casos de saúde mental, a não ser dos que têm dificuldade socioeconômica. Cabe à UFMG dar o acompanhamento e a solução pedagógica ou institucional com relação a isso.

Mas é dado algum tipo de amparo?

Montamos uma comissão de saúde mental que fez um estudo mapeando a situação na UFMG entre a comunidade acadêmica. É um trabalho longo. Estamos passando também por uma série de resoluções no nosso conselho de ensino, pesquisa e extensão com relação a isso, como regimes especiais para que a gente possa dar condição para esse aluno continuar na universidade. Temos situações em que o estudante não consegue completar o curso ou está repetindo muito uma disciplina específica. Ele fará a mesma matéria sempre, toda a vida? A gente tem que dar um tipo de apoio ou acompanhamento. Mas é um assunto muito complexo. A solução não é fácil nem imediata. 

A UFMG vai criar um regime especial para esses alunos?

Há possibilidade de fazer isso, precisamos regulamentar. A ideia é que fique pronto, possivelmente, ainda esse ano. Mas não temos a ilusão de que isso vai resolver todos os nossos problemas. Vai ajudar alguns casos, porque essa questão é de complexa solução.Flavio Tavares / Hoje em Dia / N/A

Na sua entrevista como candidata à Reitoria, a senhora mencionou que a segurança ainda era um problema no campus, que se precisava de uma iluminação melhor e que iria criar um plano de segurança. O que tem sido feito para deixar o campus mais seguro?

Algumas iniciativas já têm sido feitas, por exemplo, a poda de árvores, que agora precisamos fazer de novo. Em alguns prédios já temos controle de acesso, como no Direito. Nós melhoramos a iluminação em alguns pontos, como no Bosque da Música, mas há outros que ainda precisam ser reformulados. Então, a gente está com esse plano de aprimorar. Esse ano devemos investir. Essa sempre será uma preocupação contínua. Intensificamos as rondas noturnas, mas há muito a ser feito ainda. É uma universidade enorme, ela está mesmo dentro da cidade e os problemas de segurança, que são parte do nosso dia a dia, também afetam a instituição.

A senhora também falou, como candidata, sobre a importância da universidade pública ser aberta, gratuita e inclusiva. O Ministério da Educação chegou a elaborar um estudo mostrando que, se quem tivesse renda suficiente pagasse mensalidade nas federais, parte dos alunos de baixa renda conseguiria entrar gratuitamente. Qual análise a senhora faz sobre isso?

A universidade pública no Brasil é distinta dos demais países porque é onde se faz pesquisa. O grosso da pesquisa e da inovação está nelas. Para nós, é importante manter essa gratuidade para manter a autonomia e a liberdade e a abertura para pessoas que, de fato, necessitam da universidade. É importante termos todos unidos. Todos estão na sala e ninguém pagou, você não tem aquele recorte de esses pagaram e esses não, que nem sempre é bom para produção de conhecimento. É uma situação muito difícil de lidar. A graduação e a pós precisam se manter públicas para que a UFMG cumpra sua função social.

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