Presidente da Câmara Mineira do Livro adota estilo ‘criativo’ para driblar crise

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
11/09/2017 às 08:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:30
 (Lucas Prates/Hoje em dia)

(Lucas Prates/Hoje em dia)

Rosana Mont’Alverne foi salva pelo Tatu Balão, um dos personagens que ilustram a galeria de mais de 50 títulos da editora Aletria. Era 2015, em plena crise econômica, e a contadora de histórias e escritora, hoje à frente da Câmara Mineira do Livro, já tinha hipotecado a casa e vendido o carro e uma geladeira de madeira

“O governo tinha suspenso os programas de aquisição de livros e começamos a pegar empréstimo dali, empréstimo daqui”, recorda.

Quando a escritora Sônia Barros bateu à porta da editora, fundada seis anos antes, para oferecer um livro, Rosana já “tinha apertado o cinto de todo jeito”, restando apenas ela e a filha Juliana como funcionários. “Chegou essa moça muito elegante e doce, pedindo para fazer um livro bonito. Não tive coragem de falar para procurar outra editora”, conta.

Ao ler o texto, a paixão pela literatura acabou falando mais alto. “Era irretocável. A única coisa que tínhamos que fazer era bolar o formato do livro, que transformasse aquela história em algo vivo e maravilhoso. Mesmo com dívidas, resolvemos que iríamos fazer”.

Dias depois, Rosana recebe uma mensagem da filha. Logo ela pensou que, se fosse mais uma notícia ruim, iria enfartar. Mas, ao contrário, era para informar que o Itaú Cultural havia adquirido dois milhões e 200 mil exemplares. “Tínhamos mandado apenas a boneca do livro. Com o dinheiro, pagamos as dívidas e nos reerguemos”, comemora.

Como a advogada virou contadora de história, dona da editora Aletria e presidente da Câmara Mineira do Livro?
Em toda família, os pais meio que colam rótulos na testa dos filhos. Minha irmã sempre foi a inteligente – e ela só podia tirar 10, coitada. Era a “gênia” da família, a que esclarecia todas as dúvidas e sabia as informações enciclopédicas de cabeça. “Fulana é pau para toda obra” – esta era a minha irmã, que ajudava demais a minha mãe, inclusive a criar os irmãos, e era superprendada. Minha mãe dizia que seria difícil arrumar um homem para casar com ela, pois é boa em tudo... Já eu sempre tive o rótulo de artista, a “alegria em forma de gente”. “Rosana gosta de cantar, de dançar, de escrever, de declamar”... Assim, sempre aquela pessoa que, quando chegava as visitas, tinha que fazer algo, como imitar a Rita Pavone (risos). Além disso, sempre brinquei muito. Meu pai era militar, bravo e disciplinador, mas quando chegou na minha vez e acharam que não fariam mais (filhos) – fui caçula por seis anos – me deixaram só para curtir. Eu tive liberdade total em relação a brincadeiras, podendo ficar na rua ou nos quintais dos vizinhos, com muitas árvores para subir, como pé de pau-doce e jatobá que você quase não vê mais. Brincava de mãe da rua, queimada, de bente altas, pique-esconde...

E os livros? Você lia muito?
Minha casa sempre teve muito livro. Hoje a minha tem muito mais, mas quando você é criança tudo parece maior. Apesar de meus pais não terem estudado tanto, eles davam muito valor aos livros. Meu pai comprava enciclopédias dos vendedores que batiam à porta. A gente era o Google da rua, com todo mundo indo lá para fazer pesquisa. Os pontos que buscavam informação era na casa do major, ou seja, do meu pai, e na biblioteca da igreja. Nesta época, comecei a ser chamada pelas mães de crianças mais novas do que eu para dar aula de reforço e ajudar a fazer aqueles mapas no papel de seda. Foi o meu primeiro trabalho remunerado. Recebia aquelas notas roxas de 5 cruzeiros pelas minhas aulas particulares. A minha irmã inteligente tinha um namorado que não passava no vestibular de jeito nenhum e, por conta da temida prova de redação, ela me pediu para treiná-lo. Aquilo sempre me pareceu tão natural e divertido: ler, escrever, interpretar, mediar, indicar, essas coisas. Quando ainda não estudava, chegava a ficar com inveja dos meus irmãos, com aquele movimento de início de ano, com todos à mesa, na sala de jantar, encampando os cadernos. De fato, quando as pessoas dizem que o ambiente estimula muito, creio ser um pouco de verdade. Embora tenha grandes amigos, que são doutores, que não tinham um livro em casa.

Você sempre destaca que a escola tem um papel fundamental na formação dos futuros leitores, mas, com a suspensão do Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE) pelo governo federal, o número de livros oferecidos na escola pública caiu drasticamente.
Nós, das associações representantes do livro, estamos na cola do ministro da Cultura. Recentemente, a Ana Maria Machado, escritora infantil que já ganhou o Hans Christian Anderson, o Nobel da literatura infantil, e que foi presidente da Academia Brasileira de Letras, falou na frente dele, cobrando os programas de aquisição de livros de literatura para crianças. Recentemente, o ministério fez uma modificação no programa de livros didáticos (PNLD), passando a incluir o livro de literatura. Ok, mas que não seja algo excludente, não extinguindo o PNBE, que começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi mantido nas duas gestões de Lula e foi mantido na primeira gestão de Dilma. O segundo (mandato) dela foi muito rápido, mas no último ano já não foi feita a seleção do PNBE. Estão três anos sem o programa. Sem uma política pública que não for constante e permanente, ela nunca produzirá os efeitos que nós desejamos. Na última pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, notou-se um aumento no número de leitores e todos são unânimes em dizer que isso foi fruto das políticas públicas para o setor. Não podemos voltar atrás. Este é o grande problema em termos de políticas públicas de governo e não de Estado.

Como tem sido, entre as editoras, o impacto da suspensão do programa? Muitas delas dependiam do PNBE para se manterem de pé.
Impactou, sim. Editoras fecharam porque quando você tem um programa continuado por quase 20 anos, é natural que o setor meio que se acomode, já que sempre se tinha um livro de cada editora escolhido no programa. Ele é interessante porque não deixa os pequenos de fora. As seleções são feitas em cima do que há de bom. Mesmo sendo pequenininha, a Aletria sempre aprovou pelo menos um livro, o que significa vender 100 mil, 200 mil exemplares.

O PNBE realmente sustentava as editoras. Com a suspensão, algumas editoras de nome, queridas, de material excelente, que não se preparavam para esse momento, fecharam as portas. Aqui em Minas, acho que ninguém faliu. Mineiro é mais pão-duro e todo mundo enxugou muito as suas estruturas. Todo mundo fez cortes e começou a ficar criativo.

Você assumiu a Câmara Mineiro do Livro em julho de 2014, justamente quando começou a crise econômica e política no país. Como promover a literatura em meio a esse turbilhão?
Numa crise, ficar parado você não irá. Então, o que fizemos? Uma ação criativa da Câmara foi levar o Salão do Livro Infantil e Juvenil para o Parque Municipal. Foi um sucesso. Os expositores ficaram rindo de orelha a orelha, porque nunca venderam tanto. O Salão foi legal porque, primeiro, a gente lutou muito pela implantação de uma política pública em Minas e no município, que é a visitação escolar com o vale-livro na mão. O que significa isso? As crianças das escolas públicas exercem o direito de fazer sua escolha literária e levar para casa, entendendo que o livro tem valor.

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