Preconceito na fila do emprego: diversidade de gênero é tabu em muitas empresas brasileiras

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
24/02/2017 às 11:59.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:42

Ambiente favorável à diversidade de gênero ainda é tabu nas empresas brasileiras. Boa parte das companhias fecha as portas para as minorias na hora de contratar, sobretudo quando se trata de transexuais. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), praticamente a totalidade deste público no Brasil recorre à prostituição para sobreviver devido à falta de oportunidades no mercado formal de trabalho.

Outro dado relevante: em 2015, um levantamento da companhia Elancers, que atua com seleção e recrutamento, mostrou que 38% das empresas brasileiras não contratariam funcionários assumidamente LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) para cargos de chefia. Outros 7% afirmaram que candidatos dessa parcela da população não seriam contratados em hipótese alguma. 

“Uma vez fiz uma entrevista numa empresa de ônibus em BH e fui aprovado em todas as etapas”, conta o estudante universitário e auxiliar administrativo no campus da Faculdade de Direito da UFMG Nathan Silva Rodrigues, de 25 anos. “Quando expliquei a minha situação e contei que era trans, tive a seguinte resposta: ‘seu currículo é ótimo, mas não contratamos esse tipo de gente’”, diz, relembrando o sofrimento causado pela recusa da empresa. 

O atual emprego, diz ele, foi assegurado graças à aparência masculina. Em outras experiências negativas, a incompatibilidade entre o nome nos documentos e a forma como se apresentava causou problemas e constrangimentos.

“Procuro emprego da mesma forma que todas as pessoas, levando meu currículo. O que acontece é que em qualquer lugar onde a gente vá, as pessoas nos veem como uma coisa de outro mundo”, desabafa João Maria Kaisen, de 25 anos. 

Desempregado desde que deixou a função de cozinheiro em um restaurante, João Maria está no início do processo de modificação das características corporais e também luta contra o preconceito para encontrar uma nova vaga. 

“Até mesmo nas empresas que dizem aceitar o direito básico ao nome social, isso não é de verdade. A inclusão não funciona”. 

Lei

Diferentemente do nome de batismo, o nome social é a identificação pela qual os transexuais preferem ser chamados no dia a dia. No Brasil, ser reconhecido pelo nome escolhido é um direito garantido por lei, inclusive nas repartições públicas. Em Minas, decreto sobre o tema foi publicado no início deste ano. Os órgãos estaduais têm prazo de 180 dias para promover adaptações, capacitações e regulamentações necessárias para implementá-lo. 

Transgender Europe

‘É preciso receber bem o novo’, alerta especialista em RH

A boa notícia é que, ao menos em algumas empresas brasileiras, a realidade do preconceito e da intolerância ao diverso tem cedido espaço ao respeito e à receptividade. “Ter diversidade nos ajuda a construir um produto melhor”, avalia.

Há seis meses na filial da capital mineira, onde atua como administradora do escritório, Laura Zanoti, de 30 anos, é exemplo de que ser bem recebida como transexual no mercado de trabalho brasileiro depende muito mais do empregador do que do próprio candidato. "il encontrar empresas dispostas a mudar a cabeça dos funcionários e criar um ambiente seguro para nós. No capitalismo, as empresas não estão preocupadas com a igualdade social ou de gênero, e a mulher trans, principalmente, ainda é totalmente criminalizada”, avalia. 

 Lucas Prates

BEM COLOCADA – Laura trabalha em uma empresa que respeita e valoriza a diversidade: “aqui não há distinção de nada”

Em um emprego anterior, Laura precisou esconder por quatro anos a mudança de gênero para ser respeitada e “segurar” a vaga. “Tinha dupla identidade, mas, para sobreviver e pelo salário, a gente acaba aceitando determinadas situações”, lamenta.

Para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Minas Gerais (ABRH-MG), Eliane Ramos, a contratação de um profissional, independentemente das escolhas pessoais que ele faça, deve ser pautada pela competência e capacidade de entrega. 

“Vivemos em um mundo globalizado em que há lugar para todos. Se o profissional é engajado, dedicado e tem características comportamentais interessantes para aquela vaga, não há porque não contratá-lo. É preciso receber bem o novo e saber que pessoas diferentes também agregam”, afirma. 

96% foi quanto aumentou o número de denúncias de violação de direitos da população lbgt no brasil, em 2014 e 2015, de acordo com o disque 100

De onde vem a ajuda?

- As vereadores de BH Áurea Carolina e Cida Falabella, ambas do PSOL, lançaram chamada pública para recrutar candidatos a cargos em seus gabinetes. Integrantes de um coletivo de ativistas de direitos sociais, elas darão prioridade às minorias, incluindo deficientes, egressos do sistema prisional e LGBTIQs (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais e queers). O processo levará em conta capacidade técnica, experiência profissional e diversidade social, buscando manter a paridade entre gêneros e raças. 

- Criado há um ano na capital, o Transvest foi também alternativa encontrada pelo professor Eduardo Salabert para apoiar a população trans. O cursinho, que funciona no Edifício Maletta, no Centro, oferece aulas diárias de idiomas, libras, além de supletivo e pré-vestibular. Os profissionais são voluntários e as aulas, gratuitas. “O Transvest surgiu para oferecer uma pedagogia diferenciada. O trabalho voluntário é o melhor combustível para a transformação social”, diz o idealizador do projeto. 

- O site transempregos.com.br ajuda tanto quem deseja contratar quanto quem quer ser contratado. Atualmente, segundo a realizadora da plataforma, Márcia Rocha, há 800 transexuais com currículos cadastrados em busca de vaga. Desde que foi criada, em 2015, a página ajudou a colocar 80 profissionais no mercado. “Temos um retorno muito positivo de empresas satisfeitas com a competência dos contratados. Em março, o site terá uma cara nova e tradução em 12 línguas”, adianta. 

90% dos transexuais que vivem no brasil recorrem à prostituição para sobreviver, conforme estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais
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