Mesmo com acordo, caminhoneiros permanecem em estradas por intervenção militar

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
28/05/2018 às 22:26.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:19
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Mesmo com o anúncio do governo federal de que todas as reivindicações dos caminhoneiros haviam sido atendidas, o movimento grevista da categoria seguiu forte, ontem, em todo o país e em Minas. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, no Estado, de 64 trechos de manifestações registrados em rodovias no sábado à noite, apenas cinco haviam sido totalmente dispersados, ontem à tarde, depois do acordo firmado entre ministros e representantes dos motoristas. 

Em grupos do aplicativo Whatsapp mantidos pelos caminhoneiros – apontados como plataforma principal de organização da greve –, era crescente o número de menções e defesas a uma intervenção militar no Brasil para que pusessem fim ao movimento. 

O presidente do Sindicato da União dos Caminhoneiros do Brasil, entidade sediada em Minas Gerais, José Natan, informou que, embora não tenha participado da mobilização para a greve, tinha conhecimento de que “questões políticas” estariam impedindo o término da paralisação. 

Segundo Natan, que foi líder de movimento semelhante em 1999 e encontrava-se, ontem, em Brasília, acompanhando de perto as negociações entre a classe e o governo, “de cinco a seis mil caminhoneiros” envolvidos na greve deste ano “são candidatos a algum cargo no Legislativo, nas eleições de outubro”.
“O governo atendeu muita coisa que estava sendo pedida, mas o mais importante, que é o alívio para o bolso dos caminhoneiros, com a real elevação do valor do frete, ele não deu resposta satisfatória”, disse Natan. “Além disso, estamos em um processo político perigoso no país, com Lula preso e muitos companheiros falando na volta dos militares, o que complica ainda mais a situação”, acrescentou. 

Um caminhoneiro, que preferiu não se identificar e está retido na BR-381, disse que são fortes os discursos dos colegas pela intervenção militar. Ele conta que tentou sair do bloqueio, com o anúncio do acordo com o governo federal. “Mas eles falaram que iam jogar pedras no caminhão”, relata.

Boatos
Durante o dia, ontem, circularam nas redes sociais mensagens dando conta de que a intervenção militar pedida por parte dos caminhoneiros – e também por meio de pequenas manifestações em algumas cidades, inclusive Belo Horizonte – já estaria em curso. 

Tropas do Exército estariam se movimentando na Zona da Mata mineira, dando início à suposta estratégia de tomada do poder pelos militares. Procurado pela reportagem, o porta-voz do Comando Militar do Leste, responsável pela corporação na Região Sudeste do país, coronel Carlos Cinelli, desmentiu a informação e disse tratar-se “apenas de um boato”.

“Posso garantir que não há nada relacionado a uma intervenção militar, como a que estamos fazendo no Rio de Janeiro, em razão dos problemas de segurança pública. No caso da greve dos caminhoneiros, as Forças Armadas estão movimentando contingentes e veículos no sentido de cumprir o decreto presidencial de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e assegurar o fluxo de cargas, principalmente de combustíveis, em todos os estados onde há desabastecimento”, completou.
De acordo com o coronel, o decreto de GLO autoriza três tipos de ações dos militares, durante a greve. “Nossa função é desobstruir vias, conduzir e escoltar caminhões até seus destinos com cargas consideradas prioritárias, mesmo que os motoristas dos veículos não queiram fazer isso. Mas não é nada de anormal, somente uma situação visando ao restabelecimento da ordem nesses casos”, ressaltou. O oficial admitiu, porém, que a chegada de tropas a áreas de concentração de caminhoneiros grevistas tem sido “ovacionada por alguns manifestantes e populares”. 

 ALÉM DISSO

Não bastasse o impacto direto na vida das pessoas, com a falta de combustíveis e de outros produtos e serviços, o clima de incerteza gerado pela paralisação dos caminhoneiros pode ter sérias consequências políticas e econômicas. É o que pensam especialistas. No campo político, além do crescimento de manifestações em defesa de intervenção militar, há a previsão de repercussões na campanha eleitoral deste ano. 

Para o cientista político Malco Camargo, saem perdendo, por enquanto, o MDB, do presidente Temer, e o PSDB, na medida em que o presidente da Petrobras, o tucano Pedro Parente, foi o idealizador e executor da nova política de preços da estatal, apontada como centelha da greve dos motoristas.

“Quem ganha, no momento, são os candidatos antissistema, principalmente Jair Bolsonaro”, diz. No aspecto econômico, a tendência é a de que a greve provoque múltiplos estragos. “Esse caos não apenas atrasa a trajetória de crescimento, como é um sinalizador muito ruim para quem precisa atrair investimentos, como é o caso do Brasil”, afirma o coordenador do curso de economia do IBMEC/MG, Márcio Salvato.

 Mesmo com o reabastecimento parcial de 32 postos de combustível na capital mineira, após a Polícia Militar (PM) escoltar os caminhões-tanque pela cidade na tarde de ontem, a determinação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em limitar a compra de combustíveis a R$ 100 por pessoa gerou muita confusão nos postos — e não chegou a ser cumprida à risca por quem encarou longas filas para abastecer.

Ontem, além de cercear o gasto do consumidor com combustível, o Comitê de Crise Estadual determinou a proibição da venda de gasolina em galões, após reunião entre a PM, o Minaspetro, representantes de companhias distribuidoras e da Associação Nacional do Petróleo (ANP), além de membros do Procon Estadual e do Ministério Público.

Abastecimento
Apesar disso, no Posto Itapoã, no cruzamento das avenidas Francisco Sá e Amazonas, no bairro Gutierrez, muitos motoristas conseguiram encher até dez galões, totalizando 50 litros de gasolina vendida a R$ 4,799 o litro.

“Eu ia fazer o que? Cada dia que a gente acorda, não sabe se vai ter gasolina. Eu sou motoboy, precisava de mais gasolina porque estou há dois dias sem trabalhar. Enchi logo cinco galões”, disse Wellington Cruz, de 29 anos.

Mesmo com a proibição, o gerente do Posto Itapoã, Saulo Alves, chegou a permitir a venda de gasolina em galões, mas apenas para as pessoas que estivessem de carro. “Não vamos deixar pessoas sem carro abastecerem. Se chegar só com o galão na mão, não abastece, porque senão a gasolina acaba rápido demais. Infelizmente, alguns não vão conseguir abastecer e sairão frustrados”, disse.

Uma frustração que a auxiliar administrativo Cátia Xavier, de 34 anos, foi obrigada a aguentar, após passar três horas na fila e descobrir que não poderia encher dois galões de gasolina por estar a pé. 

“Vim do bairro Vista Alegre, deixei meu carro em casa porque não tenho uma gota de gasolina. Semana passada fiquei seis horas para encher o tanque e, quase na minha vez, acabou a gasolina. Como vou tirar o carro da garagem se não tem gasolina?”, questionou Cátia.

Volume
Cada um dos 32 postos da cidade recebeu cerca de 30 mil litros de gasolina – o suficiente para abastecer aproximadamente 600 carros em um tempo médio de até quatro horas, por causa das longas filas. 

Segundo o major Flávio Santiago, chefe de comunicação da PM, os postos de combustível foram estrategicamente escolhidos para atender às nove regionais da capital. 
O MinasPetro não confirmou se haverá novo reabastecimento de combustíveis hoje, com escolta da PM.  (Repórter Lucas Simões)


 

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