Associação é criada para apoiar donos de imóveis tombados e fortalecer proteção de bens culturais

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
19/12/2016 às 08:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:08

Em meio à discussão do novo plano diretor de Belo Horizonte, que irá orientar o crescimento da cidade para os próximos anos, uma polêmica envolvendo bens e imóveis tombados no município vem à tona. Benefícios a proprietários de casas e edifícios protegidos, como isenção de IPTU e direito à transferência do potencial construtivo dos terrenos, podem estar em risco, teme o diretor da Associação Brasileira de Proprietários de Bens Móveis e Imóveis Tombados ou de Interesse Cultural e Ambiental (Abrapit), Ernane Augusto de Borba.

Hoje, há cerca de 700 imóveis tombados na cidade e vários bairros classificados como conjuntos urbanos de interesse cultural. Para cada uma dessas regiões e residências tombadas há restrições de uso, construção e reforma que, na visão do empresário do ramo de engenharia civil, engessam a atuação dos proprietários.

Os incentivos dados aos donos de bens de importância histórica e cultural vêm como contrapartida para minimizar o ônus do tombamento. A iniciativa parte de uma legislação específica do município, que autoriza o proprietário a vender a metragem não utilizada no terreno para outras construções.

Como o imóvel não pode ter as características originais modificadas, deve passar por restaurações e é de difícil comercialização, a prefeitura fornece essa alternativa, que pode ajudar financeiramente os proprietários a realizar as revitalizações necessárias em edificações tombadas.

Ernane acredita que a iniciativa, adotada desde 1996, tornou a capital mineira “uma grande vitrine na questão do tombamento a ser observada e replicada em todo país”, mas teme que a situação dos imóveis tombados acabe modificada. Confira a entrevista completa.

Por que é importante realizar o tombamento de bens culturais?
Todas as cidades, todos os lugares que têm manifestações históricas, artísticas precisam deixar um legado para as próximas gerações. A necessidade de tombar, quando justificada, é muito importante. Você não pode acabar, por exemplo, com a capoeira na Bahia, da mesma forma que você não pode acabar com o samba e o funk no Rio de Janeiro. São manifestações que precisam ser preservadas da mesma forma que imóveis de alta importância social e representatividade. Não dá para demolir o Palácio da Liberdade para fazer um condomínio de luxo. Os patrimônios trazem um contexto histórico que nós temos que passar para a sociedade, ele conta de onde viemos, o que somos e para onde vamos.
 Wesley Rodrigues/ Hoje em Dia


Quem tem um imóvel tombado tem um grande abacaxi na mão para descascar. Há essa percepção de que o imóvel é um fardo, um encargo às vezes excessivamente oneroso. Quando a pessoa tem essa propriedade, ela já de cara adquire uma responsabilidade sobre um patrimônio que pertence à coletividade, uma incumbência de proteger aquele bem. Depois de tombado, o imóvel não é mais só do proprietário, ele é da sociedade, ele tem um interesse cultural para o bairro ou para a cidade. Ele precisa continuar tendo essa representatividade através de gerações. E é um ônus de verdade, não é um mito, justamente por causa dos gastos e do engessamento que o processo traz. Se alguém demolir ou alterar um imóvel tombado sem consentimento da Prefeitura, terá restrições até judiciais.

Quais são essas restrições e dificuldades? A política de tombamento é onerosa?
A pessoa não pode fazer uma reforma aleatória. Ela precisa ter um projeto de reforma autorizado pela gerência de patrimônio cultural da Secretaria Municipal de Cultura. Eles precisam autorizar qualquer alteração nos imóveis com tombamento ou restrição urbanística. Depois que o projeto for aprovado, é necessário uma empresa ou um profissional especializado para realizar o restauro. E aí estão as dificuldades: conseguir recursos necessários para a manutenção e regularização do imóvel. A maioria das pessoas não tem esses recursos. Já que a pessoa está deixando o próprio bem para uma contrapartida pública, seja visual ou de visitação, de preservação, a Prefeitura tinha que fornecer isenção de imposto, restaurar e regularizar esses imóveis.

O município tem uma legislação específica para amparar os proprietários de bens tombados. Quais são as contrapartidas dadas pelo poder público?
Desde que o imóvel esteja em bom estado de conservação ou restaurado e com a documentação regularizada, o proprietário pode ter a isenção do IPTU e a autorização, pela Prefeitura, para transferir o direito de construir naquele terreno para outra edificação. Isso depende da característica do imóvel, se é um imóvel edificado em um terreno muito pequeno, ele não terá esse saldo para transferir. O que você não usa dentro do seu imóvel, você pode comercializar através da Unidade de Transferência do Direito de Construir (UTDC).

E qual a função da Abrapit nesse cenário?
A Abrapit vem para estimular a preservação do patrimônio histórico, cultural, artístico e ambiental. A política de restrições do tombamento é um tema de difícil discussão individual. Por isso, a gente quer unir e orientar esses proprietários de imóveis e bens tombados. É muito difícil uma pessoa lutar sozinha e nós queremos fomentar o debate coletivo. Por isso a Abrapit pretende criar um fundo da própria associação para financiar a restauração e a regularização dos imóveis tombados. A verba do fundo poderá vir através de leis de incentivo e por doações de pessoas físicas e jurídicas.

Como é a situação dos bens tombados hoje em Belo Horizonte?
A zona central da capital é onde está grande parte dos imóveis tombados. O conjunto urbano dentro da avenida do Contorno, onde estão a Praça da Liberdade, o Palácio, a rua da Bahia, é o mais importante da cidade. Além disso, é comum realizar o tombamento de conjuntos urbanos ou de interesse cultural. Então, a Prefeitura pega bairros como Santa Teresa, Santo Antônio e Cidade Jardim e estabelece restrições de interesse cultural. A maioria não é um tombamento imóvel por imóvel, apesar de existir cerca de 700 propriedades tombadas individualmente na cidade.
 Wesley Rodrigues/ Hoje em Dia

Como você avalia o processo de tombamento na cidade com relação às demais capitais brasileiras?
Outros lugares no país funcionam de forma similar, mas é importante ressaltar que Belo Horizonte é uma vitrine para o tombamento pelas contrapartidas que ela dá ao proprietário. Com a isenção de IPTU e a possibilidade de venda da UTDC, muitas vezes a pessoa consegue restaurar o imóvel e ainda recuperar parte da desvalorização dele.

Belo Horizonte está preparando um Plano Diretor para o município. Entre as propostas, está a redução do potencial construtivo dos terrenos. Quem quiser ampliar o edifício acima do limite estabelecido terá que pagar a Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC). Caso seja aprovado, como isso poderá se refletir diretamente na questão do tombamento?
Com o novo plano diretor de Belo Horizonte, precisamos saber qual será o futuro da política de tombamento. As pessoas precisam estar unidas nesse momento para lutar pela manutenção das contrapartidas da Prefeitura para os proprietários de imóveis, como a isenção de IPTU e a garantia da transferência do direito de construir. Em uma mudança de lei, pode ser perdido tudo que foi conquistado. Nós deveríamos saber qual é a política, o que está sendo preservado do que já existe na nova lei de ocupação. Precisamos entender até que ponto isso terá uma influência negativa ou positiva para esse segmento, se esses direitos serão preservados e de que forma serão preservados no novo plano diretor.

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