Justiça

Chacina de Unaí: em julgamento, Antério Mânica não responde perguntas da acusação e alega inocência

Gabriel Rezende
grezende@hojeemdia.com.br
26/05/2022 às 19:00.
Atualizado em 26/05/2022 às 21:06
 (Eugênio Moraes / Arquivo Hoje em Dia)

(Eugênio Moraes / Arquivo Hoje em Dia)

Acusado de ser mandante da chacina de Unaí, o ex-prefeito Antério Mânica exerceu direito de silêncio parcial e não respondeu às perguntas da acusação no julgamento desta quinta-feira (26). Ele apenas se apresentou aos jurados, por meio de perguntas feitas pela juíza, e respondeu à própria defesa.

No depoimento, o fazendeiro afirmou que as mortes dos três auditores fiscais do trabalho e do motorista foram uma "barbaridade" e negou participação nos assassinatos, ocorridos em janeiro de 2004. "De maneira alguma tenho envolvimento", afirmou. 

Antério admitiu ter tido "pequenos" desajustes com o auditor Nelson José da Silva (uma das vítimas da chacina) pertinentes às fiscalizações na fazenda, mas negou, veementemente, haver "maiores desavenças" com o servidor.

O fazendeiro afirmou que soube das mortes por meio de um amigo, de apelido Juca, e que ligou para a polícia para confirmar a informação. Ao ser perguntado sobre o interesse nos assassinatos, Antério respondeu ter sido por "por amizade [com uma delegada local] e liderança" que exercia na cidade, onde foi prefeito entre 2005 e 2012.

Antes do depoimento de Antério, a defesa apresentou vídeos e leu a confissão de Norberto Mânica, irmão do ex-prefeito, que, em novembro de 2018, assumiu-se como único mandante do crime. 

"Quem fez isso fez bobagem, fez loucura. Se eu tivesse tido conhecimento [do que pretendia o Norberto], não teria acontecido. Eu teria tomado providências para não ter acontecido", declarou.

Advogado de defesa, Marcelo Leonardo explicou a estratégia de exercer o direito de silêncio com relação às perguntas da acusação. “Tínhamos certeza que a juíza faria todas as perguntas importantes sobre os supostos indícios de participação dele. Entendemos que o Ministério Público não faria nada para esclarecer. Iria apenas criar constrangimentos", afirmou.

Julgamento
Esse é o segundo julgamento do ex-prefeito. Em 2015, ele e o irmão Norberto Mânica foram condenados como mandantes do crime. Eles foram sentenciados a 100 anos de prisão cada. Antério, no entanto, teve a condenação anulada em 2018. Por isso, está sendo realizado o novo julgamento.

Após o depoimento do fazendeiro, haverá o debate final entre a acusação e a defesa, que está previsto para ocorrer nesta sexta-feira (27). Na sequência, os jurados vão se reunir e votar. Para, só então, a juíza Raquel Vasconcello anunciar a sentença.

Ao longo do julgamento foram ouvidas 19 testemunhas, sendo 12 de acusação e cinco de defesa (um depoente foi dispensado), e dois réus confessos. Também foram apresentadas imagens e áudios envolvendo os assassinatos.

Provas contra Mânica 
O Ministério Público Federal (MPF) sustenta ter provas do envolvimento de Antério Mânica na morte dos auditores fiscais do trabalho. Conforme o órgão, no dia anterior ao crime, um carro, modelo Fiat Marea, igual ao da esposa do ex-prefeito, foi visto em um posto de combustível onde se realizou uma reunião entre os atiradores e intermediários. O encontro selou a morte dos auditores e do motorista.

A versão foi confirmada durante depoimento de Erinaldo Silva, condenado por ser um dos assassinos. Testemunha de acusação, ele afirma ter recebido informações de Chico Pinheiro – réu já falecido apontado como responsável pela contratação dos assaltantes – de que o homem no veículo era Antério Mânica e que teria ordenado a morte de todos.

A defesa do fazendeiro vê inconsistência nesse depoimento. Conforme Mânica, era impossível ele estar no local, porque morava no centro da cidade, em um local distante ao endereço do posto de combustível. 

Outra prova do MPF são ligações realizadas da fazenda de Mânica para a cidade de Formosa (GO), onde morava um dos atiradores. Antério alega, no entanto, que as ligações foram feitas por um gerente da fazenda, e não por ele, que morava no centro da cidade. 

A acusação também cita que, antes do crime, o fazendeiro já teria feito "investidas" contra os auditores. Em uma das ocasiões, teria ligado para a Delegacia do Trabalho em Unaí para reclamar dos servidores, dizendo que eles o estavam "incomodando" com as fiscalizações.

Relembre o crime
Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais do trabalho João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e Erastótenes de Almeida Gonçalves e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram assassinados com tiros à queima-roupa, após uma emboscada na região rural de Unaí, no noroeste de Minas Gerais.

À época, o trio investigava denúncias de trabalho escravo que estaria acontecendo em fazendas da região. O crime ficou conhecido como Chacina de Unaí.

Rogério Alan, Erinaldo Silva e William Gomes foram condenados por serem "pistoleiros" contratados. As penas, juntas, somam 226 anos de prisão.

Os intermediários do crime, segundo a acusação, eram os empresários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro. Os dois confessaram o crime e foram condenados.

O ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, e o irmão dele, Norberto, dois grandes produtores de feijão da região, foram apontados pelo Ministério Público Federal como mandantes do crime. A sentença deles saiu em 2015, com cada um pegando pena de 100 anos de prisão. Apesar de o MPF pedir a prisão imediata dos réus, a Justiça permitiu que ambos recorressem em liberdade.

Em 2018, no entanto, uma reviravolta mudou os rumos do processo, quando o TRF-1 anulou a condenação de Antério Mânica.

Em virtude da anulação, o ex-prefeito terá que ser submetido a novo julgamento, que deve acontecer nesta semana.

Na época da anulação, Norberto Mânica, que também recorre em liberdade, prestou depoimento e sustentou ser o único mandante do crime, inocentando o irmão.

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