Depois da tempestade, a luta das cidades para ressurgir da lama

Ana Lúcia Gonçalves - Hoje em Dia
12/01/2014 às 08:26.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:17
 (Leonardo Morais )

(Leonardo Morais )

VIRGOLÂNDIA – Os estragos causados pela tromba d’água que castigou Virgolândia, no Leste de Minas, em 26 de dezembro, comprometeram o desenvolvimento da cidade. Para o vice-prefeito, fizeram com que o município retrocedesse mais de três décadas. O tempo para reconstruí-lo é estimado em cinco anos, ao custo de R$ 20 milhões.   A tragédia marcou para sempre a vida dos 6 mil habitantes. Casas, prédios públicos e pontes foram derrubados. Os moradores estão sem alimentos, dinheiro e esperança. Drama semelhante, também causado pela chuva, vive quem mora em Conselheiro Pena e Mantena, no Vale do Rio Doce.    Cenário desolador   Na quarta-feira passada, quase duas semanas após o temporal, o cenário em Virgolândia permanecia desolador. Da lama seca misturada a móveis amontoados nas ruas e entulhos de imóveis que ruíram levantava uma poeira fétida.   Os estoques de alimentos das mercearias e armazéns estavam vazios e os bancos, desativados. Na prefeitura, principal empregadora no município, o sistema eletrônico para pagamento de salários não funcionava. Cartório, Correios e lotérica estavam fechados.   “Não perdi muito, porque já tinha pouco”, lamenta Maria da Conceição Fernandes, de 55 anos, enquanto separava roupas para a família de dez pessoas em um amontoado de doações. Acompanhada do neto, de 6 anos, a dona de casa seguiria depois para a fila de distribuição de cestas básicas e água mineral.   A mesma fila é formada por quem não foi atingido diretamente pelo transbordamento do córrego Palmital, que inundou Virgolândia. “Não tem onde comprar essas coisas na cidade”, ressalta a assistente social Sandra Oliveira, de 38 anos, enquanto orientava as pessoas.   Ela também perdeu tudo e está abrigada com os dois filhos na casa dos pais. “Entendo o sofrimento deles. Até a roupa que estou vestindo veio de doações”, disse.   Prateleiras vazias   Dono de uma mercearia, Daniel Vieira, de 36 anos, está entre os 56 comerciantes atingidos pelo temporal em Virgolândia. “Quebrei. Não sobrou nada nas prateleiras ou no depósito. E, sem receber dos clientes, não terei como repor as mercadorias”, desabafou.   Como é costume no comércio da cidade vender a prazo e anotar a dívida em cadernetas, Onofre Gonçalves de Almeida, de 60 anos, confia na honestidade dos fregueses para voltar à ativa. “Perdi mercadorias e anotações. Se vierem me pagar, vou ter que receber o que me derem”.   A maior perda de Onofre, no entanto, foi a companhia do irmão Luiz Gonçalves de Almeida, de 66 anos, um dos três mortos no temporal. As vítimas foram arrastadas pela força da correnteza do córrego. “Vão reconstruir a cidade, mas nossas vidas estão marcadas para sempre”, disse.   Preocupação com epidemia de dengue   A saúde dos moradores de Virgolândia foi muito afetada pelo temporal. O secretário de Saúde Hélio Valério calcula um aumento de 50% na demanda por assistência médica, a maioria por causa de diarreia e viroses.    Há um suposto caso de leptospirose sendo investigado pela Funed. “Estamos em alerta para novas suspeitas”, disse.    Outra preocupação é com uma epidemia de dengue. “Intensificamos os mutirões de limpeza e distribuímos água sanitária e hipoclorito de sódio”, afirmou.    Cinco médicos voluntários se revezam no auxílio aos cinco que já atuam na cidade. “Sem ajuda financeira, não vamos vencer esse caos”, disse Valério.   Incertezas quanto ao reparo dos danos   O relógio marcava 21h30 quando a tromba d’água caiu sobre Virgolândia, em 26 de dezembro. Segundo a coordenadora da Comissão Municipal de Defesa Civil (Comdec), Anete Nunes, choveu 141 mm em uma hora, num raio de quatro quilômetros. “O cenário é semelhante ao provocado por um terremoto”.   O balanço da Comdec aponta 132 casas danificadas e 39 destruídas, cinco famílias desabrigadas e 228 desalojadas. Três pessoas morreram e 25 ficaram feridas. Dos 280 imóveis atingidos, 56 são comerciais. Onze pontes caíram. Entre os espaços públicos afetados estão o prédio da prefeitura, o parque de exposições e o estádio.   “Estamos lidando com pessoas que perderam tudo, até a esperança. Estão sem rumo, não têm para onde voltar”, destaca Anete.    O vice-prefeito de Virgolândia, Hélio Valério, que também responde pela Secretaria de Saúde, avalia que sejam necessários pelo menos R$ 20 milhões para reconstruir a cidade. Servidores fazem mutirões de limpeza, mas o município depende de verbas estaduais e federais para as obras.   A prioridade é construir casas para os desabrigados. Como não há imóveis disponíveis para o aluguel social, muitos estão voltando para as moradias, mesmo as interditadas.   A prefeitura tenta um convênio com a Caixa Econômica Federal para a construção de casas populares. Outra medida emergencial é o socorro aos comerciantes, com empréstimos a longo prazo.    “A cidade quebrou financeiramente. São pelo menos 30 anos de retrocesso no desenvolvimento econômico”, analisa Valério, que não sabe quanto a prefeitura poderá usar dos próprios cofres.    Municípios afetados calculam prejuízos e vão atrás de recursos   Pelo menos 60% da área de Mantena, no Vale do Rio Doce, foi destruída pelas enchentes de dezembro. Foram três em dez dias. A última e mais devastadora, no Natal, foi provocada pela cheia do rio São Francisco.   Em estado de calamidade pública, Mantena também precisa de R$ 20 milhões para obras emergenciais, sem incluir a reconstrução de residências e ajuda financeira a comerciantes. São 245 casas destruídas ou interditadas e 30 famílias em abrigos.   “Estamos providenciando aluguel social para depois tentar reconstruir os imóveis, mas o município não tem o dinheiro”, afirma o conselheiro técnico da Comdec, Emerson Leite.   Segundo ele, há mutirões de limpeza nas ruas. Pequenas obras são executadas por servidores da prefeitura. Mas falta material, como bloquetes para calçamento das vias.    “As obras previstas para 2014 serão tocadas, mas o retrocesso econômico também é uma realidade aqui em Mantena. Só não sei de quantos anos”.   Transtornos   Conselheiro Pena, na mesma região, foi atingida pelas cheias do córrego João Pinto – que atravessa a cidade – e do rio Doce. Ambos transbordaram em 19 de dezembro. Vinte casas caíram, cem estão interditadas e as famílias afetadas foram acolhidas por parentes. Parte da zona rural está isolada.    “Inicialmente, calculamos a necessidade de R$ 10 milhões, mas hoje as cifras são superiores. Com 40% da cidade afetada e sem dinheiro, dependemos de verbas federais e estaduais para recomeçar”, disse a coordenadora da Comdec, Neuzira Rodrigues.   Só ao posto de gasolina, a prefeitura deve R$ 38 mil. O aluguel de máquinas consumiu verba ainda maior. “É um dinheiro que poderia ser investido em outras coisas”, disse Neuzira.

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