empreendedorismo

Do bordado à dança: economia criativa reage depois da pandemia para gerar renda e manter as famílias

Luciane Amaral
@luciane_amarallamaral@hojeemdia.com.br
29/06/2022 às 23:31.
Atualizado em 30/06/2022 às 10:41
Designer do Transbordah trabalha no desenvolvimento de criações para o Desfile Ronaldo Fraga As mudas (2019) (Transbordah / Divulgação)

Designer do Transbordah trabalha no desenvolvimento de criações para o Desfile Ronaldo Fraga As mudas (2019) (Transbordah / Divulgação)

Muitos negócios começam a partir de uma ideia na cabeça. Mas como mensurar o valor dessa ideia? E como torná-la tangível? 

A chamada Economia Criativa veio responder a essas perguntas, descrevendo um conceito que relaciona empreendedorismo, criatividade e capital intelectual, como matéria-prima que, potencialmente, gera crescimento e desenvolvimento econômico. 

E para quem acha que dançar ou bordar não tem pujança para mover a economia se engana. Nayara Bernardes, analista responsável pelos projetos de economia criativa em Minas Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), explica que a indústria criativa integra aspectos econômicos, sociais e culturais ao uso da tecnologia, resultando em uma enorme capacidade de geração de emprego e renda.

Segundo o Sebrae, Minas está em terceiro lugar no ranking nacional dos empregos criativos, respondendo por 10% dessas vagas no país. No estado, são 450 mil pessoas  - 9,8% do total de todos os empregos formais, em diversos segmentos, que vão da bioengenharia ao artesanato. 

Mas como transformar uma ideia em um empreendimento criativo, capaz de  gerar receita, competir no mercado e despertar no consumidor o interesse pelo produto ou serviço? “Não há um modelo definitivo ou receita mágica para abrir um negócio”, destaca a especialista do Sebrae. Quando se trata de economia criativa, muitas vezes a linha entre hobby e negócio é muito tênue. 

Da ponta de uma agulha veio a inspiração para que Andreia Freitas encontrasse o fio da história que mudaria sua vida para sempre e a de muitas mulheres também.

Formada em design e negócios de moda, foi no trabalho em uma das mais conceituadas grifes de festa de Belo Horizonte, que Andreia descobriu o que queria fazer. A especialização em design de superfície a levou para o bordado.

E, no contato com as bordadeiras na confecção (cada vez mais escassas), a designer entendeu a dificuldade de muitas mulheres de manter a família com a atividade tão tradicional, que estava desaparecendo. “Eu queria trabalhar com negócio social. E, ao mesmo tempo, percebia que as técnicas de bordado deixavam de ser passadas de mãe para filha, como era antigamente”, explica.

Em 2013, Andreia Freitas idealizou um projeto de capacitação de mulheres para geração de renda, que, com patrocínio de um banco, saiu do papel, na forma de oficinas de bordado, em Lagoa Santa, na região metropolitana. 

Formadas, as alunas rapidamente conseguiram emprego em grifes famosas da cidade, como as dos estilistas Victor Dzenk e Eliane Matos. Outras abriram o próprio negócio, produzindo acessórios, que, até hoje, são vendidos em uma feira na cidade. 

Negócio social

Foi o começo do Transbordah, um negócio social que, em 2016, com a aceleração do banko Challenge, foi escolhido como projeto de ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) da ONU, para a erradicação da pobreza. Mais tarde, as oficinas migraram para o Grande Hotel Ronaldo Fraga e o trabalho das bordadeiras das oficinas ganharam as passarelas do São Paulo Fashion Week.

Hoje, depois de passar pelo Programa de Aceleração Criativa do Sebrae Minas (Sacri), o Transbordah faz muito mais do que manter oficinas de bordado. É um centro de com produção colaborativa que reúne, em Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, artesãos que encontram em seus talentos, uma forma de gerar renda, ao mesmo tempo em que resgatam a cultura da região.

”Mais de 300 pessoas já passaram pelo Transbordah. O Sacri foi muito importante para entender o potencial do negócio, que hoje envolve o engajamento de famílias inteiras: antes eram mães e filhas; hoje as mulheres bordam, os maridos esculpem móveis. O desafio é conseguir apoio para captar recursos para ampliar os trabalhos”, conclui Andreia.

Mercado criativo

E desafio é uma palavra muito conhecida por quem trabalha com economia criativa, mais ainda na pandemia, que forçou a paralisação praticamente total de várias atividades que dependem da presença física dos clientes para funcionar, como espetáculos teatrais, shows, eventos, apresentações culturais, gastronomia, etc. E muita gente teve dificuldade para adaptar os negócios a modelos digitais.

Em março de 2021, no período mais crítico da pandemia, a queda no faturamento de empresas da indústria criativa chegou a 58%. Em abril deste ano, com o avanço da vacinação contra a Covid que permitiu a flexibilização das medidas de isolamento social e retomada das atividades em diversos segmentos, a economia criativa ainda segue entre os três mais impactados, mas com um recuo de 31% no faturamento.

Atividades da economia criativa foram muito afetadas pela pandemia

Atividades da economia criativa foram muito afetadas pela pandemia


“Eu sempre tive muito ódio da miséria. A gente tem tanta tecnologia, como é que pode haver tanta desigualdade?”

No Aglomerado da Serra, que reúne inúmeras vilas e favelas da capital, o artista e produtor cultural Kdu dos Anjos conseguiu o que parecia impossível: empreender na pandemia.

A história dele começou com a organização de oficinas de ioga, artesanato, dança, violão e canto. Mas o que era bom para a comunidade era ruim para ele, que tinha que arcar com os custos do local e o lanche dos alunos. Foi então que começou a promover eventos, as batalhas de passinho. Os melhores alunos se apresentavam em grandes teatros, como convidados de grupos como o Espanka. 

Kdu sentia que era possível empreender com a arte e gerar renda na comunidade onde nasceu e cresceu, acreditando que a cadeia artística “é muito mais do que só a apresentação'', afirma. O artista deixou o grupo e alugou uma sala no Aglomerado, onde passou a funcionar o Centro Cultural Lá da Favelinha, em janeiro de 2015.

Os bailarinos do Favelinha Dance se capacitaram fora do país e alguns também vivem exclusivamente da dança, com uma agenda lotada (Lá da Favelinha / Divulgação)

Os bailarinos do Favelinha Dance se capacitaram fora do país e alguns também vivem exclusivamente da dança, com uma agenda lotada (Lá da Favelinha / Divulgação)

Foi o começo do sonho de gerar emprego e renda na favela. Depois da dança, os moradores criaram um polo de moda, em 2017, com a cooperativa Remexe e eventos como o Favelinha Fashion Week, com desfiles de moda no beco Passarela.

Com a pandemia, a situação ficou crítica. A maioria das mulheres da cooperativa tinham subempregos como faxineiras, diaristas e ficaram sem renda. Kdu propôs que elas fabricassem máscaras e a história ganhou as páginas do New York Times, nos EUA. A comunidade se uniu, ganhou apoio e passou a distribuir duas mil marmitas por dia e, durante 3 meses, 60 mil máscaras.

Esse movimento gerou renda para toda a comunidade, com serviços de transporte, entrega de alimentos. “Todo mundo agora é MEI na comunidade”, conta Kdu orgulhoso. Agora têm estúdio de música na comunidade para artistas locais, além de galeria de arte no morro. 

Crise e criatividade

As costureiras do Remexe fizeram oficinas de moda na França, tornaram-se designers e muitas vivem só da moda. A cooperativa de moda sustentável usa a tecnologia upcycling, com o reaproveitamento e ressignificação de peças usadas e resíduos têxteis em roupas e acessórios.

Já exportou para diversos países - Inglaterra, França, Indonésia, Alemanha, Escócia e China. No próximo sábado (2), será a festa junina na favela, quando a comunidade vai usar peças do desfile do Favelinha Fashion Week, que ocorreu na semana passada.

Os bailarinos também se capacitaram fora do país e alguns também vivem exclusivamente da dança, com uma agenda lotada. Neste ano, com o apoio do coletivo de arquitetura Levante, o Centro ganhou o Prêmio de Arquitetura do Instituto Tomie Ohtake (SP) e também o do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) 2021.

A transformação digital e a internet são fatores preponderantes para garantir o acesso de empreendedores da indústria criativa a novos mercados, sem perder a autoralidade, ressalta Nayara Bernardes. “Você vende, você expande a comercialização, você aprende novas formas de fazer, incrementa o negócio, mas sempre é reconhecido por aquilo ali”, finaliza a especialista.

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