Estudantes questionam aprovação de candidata que se autodeclarou negra em mestrado da UFMG

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
22/11/2017 às 22:47.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:50
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Estudantes de pós-graduação da UFMG denunciam uma suposta fraude nas cotas raciais do processo seletivo para o mestrado em comunicação. Os alunos alegam que uma das candidatas aprovada, autodeclarada negra, não tem as características físicas obrigatórias às vagas reservadas. As queixas foram protocoladas ontem no Ministério Público Estadual (MP) e na Ouvidoria da instituição de ensino.

A universidade vai analisar o caso. Já o MP encaminhará as queixas ao Ministério Público Federal (MPF), a quem caberá decidir se a denúncia será objeto de investigação. Sem a definição, o Hoje em Dia optou por não divulgar o nome da candidata.

A suspeita ocorre logo na primeira seleção da pós-graduação com reserva de vaga para cotistas. Antes, só o vestibular oferecia o benefício. No entanto, este não é o primeiro caso de queixas de estudantes que teriam tentado burlar os processos da instituição. Há dois meses, três alunos de medicina foram denunciados por supostas irregularidades na Lei de Cotas.

Antes de acionar a ouvidoria da UFMG, uma estudante negra, que pediu para não ser identificada, teria conversado com a candidata aprovada. “Ela é uma mulher branca, não sofre racismo e o fato de ter sido aprovada em uma vaga a que não tinha direito me causou muita revolta”, disse a jovem, que acrescentou: “É oportunismo quando uma pessoa sabe que não pertence àquele grupo, mas acha uma brecha para entrar”.

O Diretório Acadêmico de Estudantes (DCE) da UFMG afirma que não foi comunicado sobre a denúncia, mas reforçou que fraudes em cotas são recorrentes na universidade e que acompanha todos os casos junto a comissões da própria instituição

A candidata também teria sido alertada por outra concorrente ao mestrado, que a encontrou durante a etapa presencial. “Soube que ela estava concorrendo às cotas no dia da entrevista. Ela saiu da sala e disse que só duas negras tinham comparecido, ela e outra menina. Fiquei sem reação, porque jamais a veria como negra”, frisa.

A polêmica chegou ao perfil da estudante em uma rede social. A jovem conversou com a equipe de reportagem, por telefone, e se mostrou preocupada com os ataques que têm sofrido. Ela garantiu ser parda e ter direito ao benefício.
 
“Algumas pessoas viram minha foto no Facebook e julgaram que eu não teria direito à cota. Sou afrodescendente. As cotas servem para uma equidade social, tenho direito. Não vim de uma família branca pura. Vim de uma família mestiça. Isso me garante a cota”, afirma.

Brechas
Presidente da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB MG), Gilberto Silva defende os critérios de autodeclaração de raça, mas reconhece que a metodologia adotada pela UFMG e outras instituições de ensino pode abrir brechas para irregularidades.

Na seleção para o mestrado foram reservadas 12 vagas para cotistas. No entanto, somente três pessoas se inscreveram

“Uma minoria se aproveita de fazer o mau uso do sistema de cotas, mas não é esse grupo que vai atrapalhar a continuidade do programa. As cotas têm função de reparação aos negros, que não têm as mesmas oportunidades que os brancos”, diz. Gilberto lembra que as denúncias de fraudes são importantes para que os casos sejam investigados.

Das 12 vagas para cotistas, só duas foram preenchidas

Vinte e cinco vagas foram oferecidas no mestrado da UFMG. Dessas, 12 foram reservadas para cotistas. No entanto, dos 11 inscritos na modalidade, três chegaram a etapa final e duas pessoas foram aprovadas. Até 2019, o programa deve estender o benefício para pessoas com deficiência, indígenas e transexuais.

Coordenador da pós-graduação em comunicação social, Carlos Mendonça afirma que o edital reserva vagas para autodeclarados negros. Os alunos devem apresentar uma carta “descritiva e fundamentada acerca do seu pertencimento étnico”.

A jovem envolvida na polêmica alega não ter entregue a carta, mas o coordenador reforça que o documento é pré-requisito para que a inscrição seja homologada. “Não cabe ao programa ou à banca dizer se o candidato é mais negro ou menos negro. Nós devemos observar o que foi entregue. É responsabilidade dos participantes a autodeclaração”.

“Fiquei em 14º lugar. Nem precisaria das cotas. E se sentisse que estava sendo privilegiada não teria feito essa escolha” - Candidata aprovada

Edital
Juridicamente, o termo “negro” presente no edital não engloba candidatos considerados pardos, segundo o presidente da Comissão de Direito Municipal da OAB, Leonardo Militão. “Quando diz que a pessoa deve ser negra, ela tem que descender de negros. Se o pai ou a mãe de qualquer um dos interessados for branco, ele já não será negro”, avalia.

Além disso, como o processo prevê a autode-claração, o advogado afirma que há abertura para interpretações subjetivas. Ele defende que as regras sejam mais claras e transparentes. “Se ela se reconhece como negra e alega isso, a moral é interna. O edital não consegue julgar isso”. (Colaboraram Ana Júlia Goulart e Mariana Durães).

 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por