Confusão em Ouro Preto

‘Filme de terror’: mulher atingida por bala de borracha disparada por PM completa 1 mês sem enxergar

Raquel Gontijo
raquel.maria@hojeemdia.com.br
30/08/2023 às 18:00.
Atualizado em 30/08/2023 às 18:00
 (Reprodução / Redes Sociais)

(Reprodução / Redes Sociais)

Há exatamente um mês, a técnica de enfermagem Natália Aparecida da Silva, de 34 anos, luta para voltar a enxergar. Moradora de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, ela corre o risco de ficar cega do olho esquerdo após ser atingida por três disparos de bala de borracha da PM durante comemoração de um evento esportivo. A corporação afirma ter sido acionada para uma ocorrência de "perturbação da ordem”, que teria terminado com militares hostilizados. O caso é acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Ministério Público e prefeitura local.

Em 30 de julho, o time de futebol amador Candeal conquistou a Copa Gigantex. O último campeonato havia ocorrido há sete anos. Para celebrar, Natália ajudou a organizar uma festa na Rua 10 para cerca de 80 pessoas, incluindo jogadores, familiares e amigos. Por volta das 18h, duas horas após o início da comemoração, policiais teriam “chegado atirando". Na confusão, sete pessoas ficaram feridas. Outras dez foram detidas. 

Natália conta que sequer estava no meio da confusão. A jovem estava sentada, amamentando a filha de apenas 2 meses, quando foi surpreendida pela ação da polícia, que também usou spray de pimenta e granadas. “Eles jogaram uma bomba no meu pé. Levantei para sair da confusão e proteger minha filha, mas tomei um tiro de borracha nas costas e outro na perna. Depois fui atingida no olho e tudo ficou preto. Falei com minha amiga ‘furaram meu olho’. Era igual filme terror, bala pra lá e pra cá”, relata a vítima. 

Sequela e sofrimento psicológico

Natália foi encaminhada para atendimento médico na policlínica de Mariana, na mesma região. Desde então, precisa ir a Belo Horizonte uma vez por semana para acompanhamento médico especializado. Em princípio, segundo ela, os médicos constataram uma hemorragia no olho esquerdo.

Para o tratamento foram recomendados colírios anestésicos e anti-inflamatórios, além de antibióticos. Somente após o fim dos procedimentos - sem previsão - é que os médicos irão avaliar a possibilidade de uma cirurgia para tentar recuperar a visão dela.

Não bastasse a sequela, Natália está muito abalada psicologicamente e faz acompanhamento com um profissional. Atualmente, está de licença maternidade, mas teme nunca mais conseguir trabalhar como técnica de enfermagem ou arranjar outro emprego de carteira assinada. Para se virar, tem feito “bicos” como eletricista.

“O que mais dói é não entender por que eles agiram dessa forma. Não tinha briga, não tinha nada, era só uma comemoração dos jogadores e das famílias. Eu fico imaginando que minha filha poderia ter sido atingida e uma hora dessa eu poderia estar sem ela”, lembra a moradora do distrito.

Investigações

No dia seguinte à confusão, o prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo, publicou um vídeo nas redes sociais, contando que acompanhou as partidas do campeonato e que o evento “transcorreu em clima harmonioso e equilibrado”. A prefeitura manifestou repúdio aos “atos de violência” e se solidarizou com as vítimas e seus familiares.

Além da administração municipal, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e o Ministério Público acompanham os desdobramentos do caso. Duas audiências foram realizadas até o momento. 

“Houve uma intervenção policial que a gente não sabe a motivação. A comunidade percebeu o abuso de poder e denunciou. Os moradores não se sentem seguros. É comunidade pequena, com população 100% negra”, diz a deputada Andreia de Jesus (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG.

Segundo ela, a comissão busca agora garantir o direito de Natália a ser indenizada pelo Estado. Já o Ministério Público disse que foi instaurado procedimento para apurar os fatos.

O que diz a Polícia Militar

Por nota, a Polícia Militar informou que foi chamada para atender uma ocorrência de "perturbação da ordem” e, após pouco tempo, outra chamada foi feita relatando que a situação havia “progredido para rixa”.

Segundo a PM, cerca de 300 pessoas estavam no local e após o início da intervenção alguns moradores começaram a hostilizar os militares com palavras, além de tentar impedir a ação com agressões e arremesso de pedras.

Diante da situação, conforme a polícia, foi necessário "uso de instrumento de menor potencial ofensivo, granadas e espargidores de agente químico a fim de dissuadir os agressores evitando o emprego de arma de fogo”.

Ainda de acordo com a PM, os policiais identificaram um morador com arma de fogo e “apontando na direção dos militares, seguido do barulho de estampido da arma, de forma que os militares fizeram uso de arma de fogo contra o cidadão que ameaçava a vida dos policiais”. No local foram apreendidos uma arma, uma foice, um facão e cinco munições calibre 380.

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