Enseada do Zoológico

Iepha e Iphan recebem recomendações para fiscalizar assoreamento na Lagoa da Pampulha

Da Redação*
23/09/2022 às 21:29.
Atualizado em 24/09/2022 às 09:42
 (MPF-MG / Divulgação)

(MPF-MG / Divulgação)

O mais famoso cartão postal de Belo Horizonte está na mira do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais.

Nesta sexta-feira (24), a área da Lagoa da Pampulha conhecida como Enseada do Zoológico foi alvo de recomendações das duas instituições, para que ela retorne ao seu estado original. O Conjunto da Pampulha tem tombamento federal desde 1997, e estadual, desde 1984.

Os autores querem que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) adotem providências para promover e fiscalizar o efetivo desassoreamento da Enseada dos Córregos Água Funda/Bom Jesus e Braúnas (Enseada do Zoológico), para restauração integral da orla e do espelho d ́água.

Outra recomendação dos ministérios públicos é que a enseada deixe de ser usada como bota-espera dos serviços de desassoreamento da Lagoa da Pampulha ou em desacordo com as diretrizes de proteção cultural.

De acordo com o Ministério Público Federal em Minas (MPF), a adoção das medidas devem “garantir proteção integral” ao Conjunto Paisagístico da Pampulha, considerado patrimônio cultural mundial pela Unesco em julho de 2016. 

No processo de reconhecimento pela Unesco e nos dois tombamentos, foi considerado que “o Conjunto da Pampulha é uma junção indissociável das construções arquitetônicas com a paisagem natural formada pela integração entre a Lagoa da Pampulha [espelho d'água e orla] e o paisagismo ao seu redor”, destaca o MPF.

“Apesar disso, o que temos visto é a descaracterização ilegal desse patrimônio, por meio de ações omissivas e até propositais, com o assoreamento crescente de enormes áreas da Lagoa e até o aterramento de alguns trechos, como ocorreu na construção do Parque Ecológico”, afirma a procuradora da República Silmara Cristina Goulart.

Lagoa da Pampulha convive com problema histórico de poluição (Lucas Prates / Hoje em Dia )

Lagoa da Pampulha convive com problema histórico de poluição (Lucas Prates / Hoje em Dia )

U$ 75 milhões 

De acordo com a recomendação, desde 2013 a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) captou no exterior, pelo menos, 75 milhões de dólares para a execução de ações do Programa de Recuperação da Bacia Hidrográfica da Pampulha ( a União é garantidora do contrato de financiamento).

“As ações de desassoreamento realizadas ao longo dos anos têm negligenciado vários trechos assoreados na orla, inclusive com o aterramento de alguns deles, de forma ilícita, especialmente na área chamada de Enseada do Zoológico. Essa situação acaba por obstruir dezenas de caixas de drenagem de água pluvial, o que, além de trazer risco de dano irreversível ao espelho d'água, também potencializa o alagamento das vias terrestres circundantes”, relata a recomendação.

Outro ponto destacado pelas instituições é que, desde 2015, a PBH lançou pelo menos dois Procedimentos de Manifestação de Interesse, para transformar a região da Enseada em um parque ecológico, nos moldes do que foi implantado na Enseada dos Córregos Ressaca e Sarandi.

“O assoreamento e indevido aterramento da lagoa, sobretudo em sua extremidade oeste, descaracteriza a orla e o espelho d ́água, ameaçando a integridade dos atributos que conferem ao Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha distinção enquanto Patrimônio Mundial”, lembra a recomendação. 

O documento afirma que há "intenção deliberada de descaracterização, destruição e/ou mutilação de bem tombado”, o que pode configurar eventual prática dos crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural previstos nos art. 62 e 63 da Lei 9.605/98.

Desvio de finalidade 
A recomendação também destaca que “os órgãos de proteção ao patrimônio cultural têm sido omissos” na proteção à Lagoa da Pampulha.

De acordo com o MPF e o MPC-MG, técnicos do Iepha/MG manifestaram-se contrariamente à solicitação da Sudecap de uso permanente da enseada do Zoológico para o uso de bota-espera dos resíduos das ações de dragagem da lagoa, em novembro do ano passado.

Ainda de acordo com os ministérios públicos, em nota técnica, o Instituto afirmou, na época, que a prefeitura municipal estava atrasada com as obrigações de desassoreamento da área. E que a permanência do bota-espera colocaria em risco a integridade do bem tombado pelo estado e pela União.

No entanto, continua a recomendação, meses depois, o Iepha “contrariando toda a fundamentação desenvolvida nas Notas Técnicas anteriores, passou a admitir, de forma injustificada e casuística, a utilização da Enseada do Zoológico como bota-espera até o ano de 2026”. 

E que mesmo reconhecendo que a enseada “se configurava como espelho d’água e que consta, em fotos de antigas vistorias e foto aérea de 1984, imagens dessa condição” na época do tombamento do conjunto arquitetônico e paisagístico, o que se observou foi o “paulatino processo de assoreamento e aterramento da referida área, que deveria estar restaurada na presente data”, ressaltou o documento.

Para os autores da recomendação, essa recente admissão configura ato ilícito, que fere o princípio da precaução e pode ser entendido como desvio de finalidade (Lei n. 4.717/65, art. 2º). E ainda pode ser enquadrada como crimes de prevaricação (Código Penal, art. 319) e contra a Administração Pública (art. 321 do Código Penal), além de improbidade administrativa (art. 11, V e §3º, da Lei n. 8.429/92).

“Sobretudo porque a mudança repentina de posição pelo órgão de proteção coincide com o momento processual em que o Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) concedeu medida liminar suspendendo procedimento licitatório eivado de ilicitudes”, afirmam as instituições. 

Iphan 
A recomendação afirma ainda que o Iphan tem sido omisso na proteção do patrimônio cultural, ao autorizar o projeto de desassoreamento da Lagoa sem fiscalizar ou cobrar o “retorno do seu traçado original”, condição que havia sido imposta ao Município para a realização da intervenção.

Em 2021, afirma o MPF, a Superintendência do Iphan em Minas foi intimada a se pronunciar sobre as ilegalidades relativas ao assoreamento da Enseada do Zoológico e dos pontos da extremidade oeste da Lagoa da Pampulha. E também a informar quais medidas de fiscalização teria tomado. A autarquia não respondeu às intimações do Ministério Público.

Segundo a recomendação, os órgãos de proteção ao patrimônio cultural não podem se eximir de suas responsabilidades.

“Na esfera penal, a omissão dos órgãos de proteção pode configurar eventual crime de prevaricação, sobretudo quando a gravidade do paulatino assoreamento da extremidade oeste, com consequente redução do espelho d’água, bem como do assoreamento e aterramento da Enseada do Zoológico foi noticiado em diferentes instâncias administrativas e amplamente divulgada pelo Ministério Público desde 2021”, adverte a procuradora da República Silmara Goulart.

Por isso, os ministérios públicos recomendam expressamente aos agentes públicos do Iepha que assinaram a nota técnica que reconsiderem a decisão, sob pena de virem a sofrer medidas jurídicas e processuais de responsabilização pessoal, e eventualmente responderem pela prática dos crimes de prevaricação e contra o patrimônio cultural e por improbidade administrativa.

Também foi recomendado ao Iphan e ao Iepha que exerçam seus deveres de “forma efetiva e abrangente em sua atuação na matéria sob análise, seja quanto às questões do assoreamento, qualidade das águas, limpeza urbana, paisagismo e arquitetônicas, para a garantia da proteção do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha”.

E ainda que informem aos ministérios públicos, por meio de relatórios mensais, instruídos com documentação pertinente, o integral cumprimento da recomendação.

Segundo o Governo de Minas, o Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais  recebeu a notificação recomendatória e irá se manifestar aos entes solicitantes dentro do prazo de dez dias.

A reportagem do Hoje em Dia não conseguiu falar o Iphan.

(*) Com informações do MPF

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