Os fatos políticos recentes nos fazem retroceder no tempo, alcançando 1954, quando a crise política brasileira de então chegara ao ápice. Na época do atentado a Carlos Lacerda, na rua Tonelero, em Copacabana, Josué Montello admitiu que o cerco estava a fechar-se em torno de Vargas, comparado pelo escritor a um “herói shakespeariano, à porta de um desfecho brutal, como nas tragédias”.
Elmano Cardim, historiador, comentou por telefone com Café Filho, vice-presidente da República: “A situação política está se deteriorando rapidamente. E eu temo que o desfecho da crise seja ruim para o Getúlio”. “Em todo o caso, Café Filho vai ter uma conversa com Vargas. Estamos na linha do imprevisível. Tudo pode acontecer. Ou nada pode acontecer”, observou Cardim.
Procuravam-se culpados e Montello tentou apontá-los: “A crise, na verdade, tem uma origem: a da luta contra o poder emergente de Samuel Wainer, diretor de Última Hora, pessoa ligada a Vargas, e a do atentado da rua Tonelero, em que morreu um major da Aeronáutica. Tudo o mais se insere nessas vertentes, inclusive a desmandos da guarda pessoal de Vargas, com destaque para a pessoa de seu chefe, Gregório Fortunato”.
Naquele instante, a situação parecia ter chegado ao clímax. As paixões chegavam ao nível do forno de Volta Redonda, aceso nas 24 horas do dia. Se não houvesse bom senso, a combustão incendiaria o país. Pretendia-se levar Getúlio ao IPM–Inquérito Policial Militar, aberto no Galeão. Café Filho propôs: que o presidente, Getúlio, e ele o vice, renunciassem simultaneamente a seus cargos, para escolha de um novo presidente em 30 dias.
Começou-se uma campanha em rádio, televisão e jornais exigindo a renúncia. Pensou-se no impeachment, mas foi imediatamente desconsiderado porque a Constituição exigia um quorum que a oposição não conseguiria de maneira alguma. O clima no Congresso Nacional era quase de morte. Um discurso inflamado de Afonso Arinos fazia acusações graves ao presidente. Gustavo Capenama subiu à tribuna para defender Vargas e sofreu uma crise de nervos.
Lacerda, ferido no pé em Tonelero, mantinha-se aceso e escreveu: ”Ninguém ousava, nem os maiores amigos de Getúlio ousavam, subir à tribuna para defendê-lo. O máximo que faziam era calar, ou falar para fora do plenário. Mas mesmo assim, o que não havia era quorum para o impeachment”.
Sem Getúlio admitir a dupla denúncia, sem condições legais para o impedimento, ameaçado por quase todos os lados, ainda que contando com enorme apoio popular, o pai dos pobres – como apelidado – apelou para o sacrifício maior.
Montello meditou: “Mais do que uma figura política, Vargas é uma figura histórica para minha geração. Todo um largo período de vida brasileira o envolve, e é ele quem domina a cena, ainda moço, na Revolução de 1930, para continuar a dominá-la ainda agora, já velho, no derradeiro lance de sua biografia”.
O tempo se encarregou de responder à pergunta: “Qual será a reação do povo, com esta tragédia? Eu próprio, longe da política, me sinto atingido e arrasado. E a verdade é que Vargas, abatido, humilhado, vencido, repentinamente desbaratou todos os seus adversários com o tiro que deu em si mesmo”.