O abismo que se abriu entre as promessas de Michel Temer ao assumir a presidência interina e o ajuste fiscal está cada vez maior. Expressões de peso como “corte na própria carne” ficaram nos discursos. Hoje, segundo especialistas, o que se vê é um governo federal pouco técnico e muito político, que gasta mais do que o proposto antes da saída de Dilma Rousseff, muitas vezes em nome do mesmo “toma-lá, dá-cá”, que marcou a gestão anterior.
Apesar do desajuste nas contas públicas, ontem, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, sem alarde, reajuste de salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) (leia matéria na página seguinte). A proposta, que passará por outras comissões, permite que os magistrados tenham os vencimentos ampliados de R$ 33,7 para R$ 39,2 mil por mês a partir de 2017. No meio político, é dito que o aumento de 15,3% no salário do STF foi uma mensagem para que a data do impeachment seja resolvida com mais agilidade.
“O problema não é o gasto. É a qualidade do gasto. Não está na hora de aumentar o salário do judiciário. As medidas anunciadas até hoje ficaram no discurso, não na prática”, critica o professor do Legislativo, Fabrício Augusto de Oliveira.
Gastos dos Estados
Um dia antes, na terça-feira, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles anunciou que o governo Federal vai permitir aos Estados não incluir benefícios do judiciário à folha de pagamento, condicionada ao limite de gasto com pessoal a 60% dos orçamentos. Trata-se de uma permissão da União para que os Estados gastem mais.
Além disso, embora o rombo nas contas do governo central para este ano seja de R$ 170 bilhões, em junho a Câmara aprovou, com o aval de Temer, reajuste para todas as categorias do judiciário, com aumento de 41,47% na folha dos funcionários públicos até 2019. O gasto a mais será de R$ 58 bilhões até 2019.
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Bolsa Família
A título de comparação, o montante é duas vezes maior do que o orçamento do Bolsa Família de 2016, de R$ 28,8 bilhões. O professor da Escola do Legislativo lembra que a proposta de Temer era focar no ajuste fiscal, para depois reduzir a taxa de juros, que tem, inclusive, impacto direto nas contas do governo. Porém, apesar de a inflação estar em queda, a Selic continua em 14,25%.
Esse movimento de manutenção da Selic e redução da inflação aponta um cenário de alta dos juros reais, segundo ressalta o vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG), Pedro Paulo Pettersen.
“Se a perspectiva da inflação chegar a 7,5% no fim do ano e a Selic mantida em 14,25% teremos quase 7% de juros real por ano. No início do ano era 3%. Não faz sentido”, afirma, ressaltando que os juros reais são resultado da Selic menos a inflação.
Reformas têm impacto direto na qualidade de vida da população
O reajuste dos funcionários do Judiciário anda na contramão da reforma da Previdência. Enquanto o aumento dos salários dos magistrados chega a 42%, a previsão é a de que a reforma da Previdência exija uma idade mínima para se aposentar, desconsiderando o tempo de contribuição do trabalhador. Para a saúde e educação também serão gastos o mínimo, segundo proposta do governo, que pretende atrelar o volume de repasses aos à inflação.
Hoje, há uma cota mínima constitucional de aporte nas áreas. Há, também, um esforço hercúleo para reduzir o custo de vida. Ou seja, se o trabalho de reduzir a inflação der certo, os aportes em saúde e educação serão reduzidos no longo prazo.
A consequência pode ser drástica, principalmente em um ambiente em que as pessoas irão trabalhar até perto dos 65 anos.
Vale ressaltar que no documento “Uma ponte para o futuro”, que norteia o governo Temer, há a proposta de desvincular o salário mínimo das aposentadorias. Isso significa que os aposentados poderão receber menos de um salário, de R$ 880 atualmente. Como o plano bate de frente com a Constituição, seriam necessárias duas votações no Senado e duas na Câmara para ser aprovado.
A perspectiva, portanto, é de uma população com menos recursos para a educação e saúde e um trabalhador que se aposenta mais tarde, com salário que pode ser inferior ao mínimo.
“É uma desconstrução da Constituição de 1988. Assim que as pessoas perceberem que não existe nada de concreto a favor delas, haverá uma grande rejeição”, diz o professor da Escola do Legislativo, Fabrício Augusto de Oliveira.