Depois de vencer origem difícil e ofensas racistas, Rafaela Silva vive seu momento de ouro em casa

Henrique André
Enviado especial
09/08/2016 às 09:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:15
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

RIO DE JANEIRO – Era uma vez uma menina nascida em uma das regiões mais pobres e violentas do Rio, a Cidade de Deus.

Que poderia ter o mesmo destino trágico de tantos adolescentes sem oportunidade e perspectivas, mas encontrou no esporte o caminho para crescer.

Apadrinhada pelo Instituto Reação, ONG coordenada pelo medalhista olímpico Flávio Canto e pelo treinador Geraldo Bernardes, Rafaela Silva poderia se contentar com o título mundial na categoria até 57kg em 2013, no Rio. 

Um ano antes, no entanto, ela viveu uma experiência traumática. Chegou a Londres como candidata a um lugar no pódio, acabou eliminada na segunda fase ao aplicar um golpe que se tornou proibido com uma mudança nas regras e, por isso, virou alvo de ofensas racistas nas redes sociais.

Felizmente a vida da judoca de 24 anos deu voltas para o caminho certo. A insistência na preparação e o desejo de brilhar novamente em casa foram premiados com o mais nobre dos metais, o ouro olímpico.

Uma a uma, ela deixou para trás a alemã Miryam Roper (ippon); a sul-coreana Jandi Kim, por wazari; bateu a húngara Hedvig Karakas nas quartas de final, pela mesma pontuação e, na semifinal, repetiu a dose na semifinal diante da romena Corina Caprioriu (uma marcação a seu favor que acabou revista a obrigou a buscar a definição uma segunda vez). 

Faltava definir a cor da medalha, e a luta com a mongol Sumiya Dorjsuren não deixou dúvidas. Depois de punição às duas por falta de combatividade, ela aproveitou a primeira oportunidade para imobilizar a rival e, por novo wazari, garantir a medalha dourada.

Hora de liberar a tensão e comemorar com a torcida; a coordenadora-técnica Rosicléia Campos e os padrinhos Canto e Bernardes.

"Ainda estou pasmo. É extraordinário, ela é a primeira brasileira campeã olímpica e mundial. A Rafaela representa muita coisa e essa medalha tem um simbolismo enorme, para ela, para o Reação e o Brasil”, festejou Canto.

“Ela mostra que uma pessoa que vem de uma comunidade violenta, perigosa, pode vencer na vida, e que o esporte e a educação são caminhos para uma vida melhor. A Rafaela vem numa trajetória que só poderia chegar a esse ponto”, destacou Bernardes, seu primeiro treinador, e que hoje orienta a equipe de refugiados do COI.

O filme da vida de Rafaela passou por sua cabeça tão logo desceu do pódio com a esperada medalha.

“Tenho que agradecer muito à Mel Salgado (psicóloga da Confederação Brasileira de Judô), que me convenceu a não parar depois do que passei em Londres. Não foi fácil ouvir tantos comentários desnecessários, se fosse assim, o Teddy Riner, que é o mais forte judoca da atualidade, e é negro, não poderia competir. Me sinto muito bem lutando em casa e espero passar para as crianças da comunidade o meu exemplo, mostrar a elas que não desistam do sonho, pois, ainda que demore, ele se realiza, como hoje (ontem) se realizou o meu”, festejou a dona do 24º ouro olímpico brasileiro.

Desafio

Em plenas condições de chegar aos Jogos de Tóquio, Rafaela terá pela frente a chance de quebrar um tabu, tornando-se a primeira mulher brasileira a se tornar bicampeã olímpica.

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