Mortes de negros em Minas são o dobro das registradas entre os brancos

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
05/06/2018 às 20:42.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:26

“Aqui no morro morrem pretos a todo momento. Mas ninguém quer se envolver porque é uma morte muito específica. Todo mundo meio que sabe o motivo, a cor”. O relato de uma jovem moradora do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, revela uma situação comum no país: o assassinato de negros. Em Minas, a taxa de homicídios dessa parcela da população é de 27,2 a cada 100 mil habitantes. Dentre os brancos, o número cai pela metade.

Os dados refletem a realidade de 2016 e compõem o Atlas da Violência, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No país, a diferença entre negros e não negros, no geral, é ainda mais gritante. Enquanto a taxa de mortes de pretos e pardos foi de 40,2 a cada 100 mil habitantes, a de brancos foi de 16. “É como se, em relação à violência letal, eles vivessem em países completamente distintos”, aponta um trecho do estudo.

Quando se analisa os dados por tipo de sexo, as mulheres também sofrem. Em Minas, o índice de óbitos de negras foi de 3,9 para cada 100 mil habitantes, contra 2,7 entre as brancas. Para o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Helder Ferreira, o levantamento confirma que o preconceito ainda é forte no país. “O racismo é persistente e institucional no Brasil”.

Áreas vulneráveis

Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Frederico Marinho explica que a maior vulnerabilidade da população negra tem raízes históricas. “Sem acesso à educação e ao mercado de trabalho, essas pessoas são empurradas para as áreas periféricas da cidade, justamente os locais onde a segurança pública é mais falha, e eles acabam sendo mais vitimados”, afirma. 

Duplo homicídio

Situação parecida foi vivenciada em 2011 por uma família de negros moradora do Aglomerado da Serra. Tio e sobrinho foram mortos durante uma batida policial. O duplo homicídio revoltou os moradores da região. Ao voltar para casa após um ensaio de dança, Jeferson Coelho da Silva, de 16 anos, foi baleado ao ver o parente ferido no chão. 

“Ele perguntou para o policial porque tinha atirado no tio e acabou sendo vítima também”, conta um primo do adolescente, que não quis se identificar. Mesmo com a condenação dos militares a 25 anos de prisão, a família nunca mais foi a mesma. “Acabou tudo para a gente. E ele morreu sendo inocente”. 

Prevenção

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que atua na prevenção e repressão de homicídios com foco em áreas de vulnerabilidade social. “Toda a política de segurança pública é pensada para a preservação da vida”.

A pasta ressaltou que os índices do Atlas da Violência mostram Minas com a quinta menor taxa de morte violenta de negros por 100 mil habitantes no país.

Geral

O Atlas da Violência no Brasil também apontou que a taxa de homicídios geral por 100 mil habitantes em Minas Gerais foi de 22 em 2016. No país, ela é de 30,3. 

As estatísticas preocupam, dizem especialistas. Acima de dez, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), já pode ser considerada epidemia. “O ideal é um número menor possível. Em alguns países europeus, gira em torno de um. A meta brasileira deveria estar próximo das nações desenvolvidas”, afirma o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Helder Ferreira. 

Para ele, a saída seria uma melhor gestão das políticas públicas focadas na segurança e maior acesso da população mais carente à educação, cultura e mercado de trabalho.

O Atlas da Violência mostra ainda que Minas Gerais foi o quarto Estado com mais mulheres assassinadas no país, com 375 casos. O número é menor apenas do que o registrado em São Paulo (507), Bahia (441) e Rio de Janeiro (428). 

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