Moradores de Bento Rodrigues projetam reviver as antigas lembranças

Renato Fonsea
rfonseca@hojeemdia.com.br
Publicado em 04/06/2016 às 20:21.Atualizado em 16/11/2021 às 03:45.
 (Flávio Tavares)
(Flávio Tavares)

MARIANA – Pendurado em local de destaque na parede da sala, o antigo relógio com a imagem de Nossa Senhora Aparecida marcava 6h. José do Nascimento de Jesus, de 70 anos, pulava da cama e corria em direção ao terreiro. Lá, era aguardado por dezenas de canários-chapinha nos dois pés de mexerica em busca de um punhado de canjiquinha.

Por mais de três décadas, Zezinho, como é conhecido, religiosamente alimentava os passarinhos enquanto admirava a sutil cantoria logo aos primeiros raios de sol. A pacata rotina, no entanto, foi destruída no dia 5 de novembro do ano passado junto com Bento Rodrigues, após o rompimento da barragem da Samarco.

Passados sete meses da maior tragédia socioambiental do país, centenas de moradores do distrito engolido pela lama sonham com as antigas lembranças e esperam reviver velhos costumes. As esperanças ficam estampadas no rosto de quem vai até o terreno Lavoura, local onde será erguido o novo Bento Rodrigues.

“Só a vida a gente perde em definitivo nesse mundo. O resto dá para recuperar”, diz, bastante confiante, Zezinho do Bento. Na semana passada, ele esteve na área de 300 hectares distante 10 quilômetros do centro de Mariana. Solo fértil, diversidade de mata nativa e três nascentes ajudam a explicar a escolha dele e dos demais moradores pela região.

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Com uma foto da antiga igreja de São Bento, Zezinho do Bento mostra a rua onde ficava a casa devastada pelo tsunami de lama após rompimento da barragem


15 anos para construir
Com uma imagem da antiga igreja de São Bento nas mãos, Zezinho mostra a rua Raimundo Muniz, onde ficava a residência levada pelo tsunami de barro e rejeito de minério. O imóvel de sete cômodos, onde morava com a esposa Maria Irene de Deus, de 75 anos, foi totalmente construído por ele.
 
“Levei 15 anos para terminar a casa. Coloquei cada um dos tijolos, fiz o telhado, a sala, a copa, os dois banheiros e uma loja de artesanato. Perdi tudo”, conta o carpinteiro, que também prestava serviço de pedreiro. “O meu desejo e de todos os moradores é ter de volta os nossos lares. A minha residência tem que ser naquele ponto, perto da capela, igualzinho como era”, disse, ao apontar para um local no meio do mato.

Outras bucólicas recordações, acrescenta Zezinho, são as rodas de conversa no fim da tarde ao lado dos amigos e os ensaios do “Trio Maravilha e banda”, grupo musical que treinava às quintas e aos sábados na própria comunidade.

“Só a vida a gente perde em definitivo nesse mundo. O resto dá para recuperar”
José do Nascimento de Jesus, o  Zezinho do Bento, um dos moradores atingidos

A música também é a principal lembrança do aposentado Osvaldo Apolinário de Almeida, de 72 anos. No dia do rompimento da barragem, ele saiu correndo de casa, deixando tudo para trás. A lama destruiu móveis, eletrodomésticos e sonhos. Dentre os poucos pertences salvos estava um violão adquirido há 30 anos.

“Estava em cima da cama, que foi levantada pelo barro. Intacto. Foi um milagre”. Diariamente, Osvaldo levava o instrumento até a igreja evangélica. “Minha maior saudade. Espero pelo dia em que vou tocar no novo Bento”.


Ida a Bento
Após o contato com a comunidade de Lavoura, Osvaldo seguiu com a reportagem rumo ao que restou de Bento Rodrigues. Do alto da estrada que dava acesso ao vilarejo ele mostrou o imóvel devastado. “Eram oito cômodos. O terreno tinha 900 metros quadrados e meus filhos moravam ao lado”.

Cerca de 300 metros quadrados tinham sido comprados há pouco tempo. A intenção era criar galinhas na área. O pedaço de terra tinha várias árvores, como pés de laranja, limão, banana, manga e café. Na horta, beterraba, alface, quiabo e alho. “Perdi tudo. Agora é aguardar e, quem sabe, recomeçar logo as nossas vidas”, afirma.

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Xodó de Osvaldo Apolinário, o violão antigo foi um dos poucos objetos resgatados após a tragédia

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