página cada um soa, à primeira vista, como a proverbial missão impossível. A equipe coordenada pelo filósofo britânico Russell Re Manning, no entanto, conseguiu operar esse pequeno milagre, e o resultado funciona como uma bem-vinda introdução aofenômeno das crenças religiosas.
Com o título um tanto desajeitado "Religião: 50 Conceitos e Crenças Fundamentais Explicados de Forma Clara e Rápida", o livro organizado por Manning, que é professor da Universidade de Cambridge, poderia ser apenas superficial quando se considera o espaço limitadíssimo concedido a cada crença -afinal de contas, quando se tenta resumir 3.000 anos de judaísmo ou 2.500 anos de budismo com menos de mil palavras, quase tudo parece ter ficado de fora.
Por outro lado, a concisão e a abrangência acabam favorecendo o enfoque comparativo, o que ajuda o leitor a se dar conta de temas comuns, paralelos e influências mútuas entre as diferentes crenças. Graças a isso, e à organização temática que não é apenas geográfica nem temporal (com seções como "Tradições indígenas", "Espiritualidades do Oriente" e "Novas religiões"), fica mais fácil perceber o quanto as mais variadas fés expressam tendências muito similares e profundamente arraigadas à mente humana.
ANIMISMO E CARMA
Uma dessas linhas-mestras é o animismo -a ideia de que entidades não humanas, de animais e plantas a lugares e fenômenos da natureza, possuiriam algo similar à alma atribuída às pessoas. Ideias animistas provavelmente acompanham nossa espécie há dezenas de milhares de anos (vemos indícios delas nas primeiras pinturas e estatuetas pré-históricas, produzidas na Europa da Era do Gelo), e ainda podem ser encontradas em culturas tão diversas quanto as tribos da Amazônia e os xintoístas do Japão.
Manning e seus colegas, aliás, acertam na mosca ao citar o papel do animismo na origem das crenças religiosas. Para muitos dos pesquisadores que estudam a gênese da religião sob o prisma da teoria da evolução, coisas parecidas com o animismo seriam um subproduto natural da chamada teoria da mente -a aguçada capacidade dos seres humanos para adivinhar intenções, pensamentos e desejos nas outras criaturas ao seu redor.
Esse "detector de mentes" típico do Homo sapiens, ao ser aplicado não apenas a outros seres vivos, mas também à ordem do Cosmos, seria uma das explicações para o surgimento da crença em entes sobrenaturais e divindades. Um punhado de outros conceitos-chave parece ter dominado a evolução subsequente das religiões. É impressionante constatar a longevidade do conceito de carma (literalmente, algo como "ação", no sentido de descrever como as ações presentes determinam o futuro espiritual de cada indivíduo).
Ele parece ter sido formalizado pela primeira vez há cerca de 3.000 anos pelos adeptos do hinduísmo e se tornou central, com transformações, para outras grandes religiões do Oriente, como o budismo, o jainismo e o taoismo, sem falar em influências mais remotas da ideia sobre o espiritismo ocidental.
Fica clara ainda a "evolução convergente" de coisas como a crença num Deus único (compartilhada entre judeus, cristãos e muçulmanos, de um lado, e tradições espirituais indianas, de outro) e a veneração de livros sagrados (entre os siques, importantes na Índia, no Canadá e na Austrália, há o costume de "colocar para dormir" à noite e "acordar" de manhã o compêndio religioso Guru Granth Sahib, uma reverência que talvez supere a dos judeus pela Torá).
Embora as religiões tenham perdido espaço entre a população dos países desenvolvidos nas últimas décadas, não há como negar o fato de que elas continuarão a estar entre as forças políticas e sociais mais poderosas do planeta por muito tempo. Para quem deseja entender o que elas significam e para onde podem caminhar, o livro é um bom ponto de partida.
RELIGIÃO: 50 CONCEITOS E CRENÇAS FUNDAMENTAIS EXPLICADOS DE FORMA CLARA E RÁPIDA
Autor Russel Re Manning
Tradutor Luis Reyes Gil
Editora Publifolha
Quanto R$ 47,90; 160 págs.