A imagem de Guevara

07/08/2018 às 20:32.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:49

Informou-me o jornal, no dia 27 último, da estreia, à noite pelo Canal Curta, no Brasil, do documentário “Che Guevara, Além do Mito”. Segundo o texto, o filme desvenda como Che, além de sua militância, preocupou-se em construir uma autoimagem de impacto para se sacralizar na história. A barba, a boina, o charuto e, claro, o olhar triunfante.

O historiador britânico Richard Gott, que se encontrou mais de uma vez com o guerrilheiro, adverte, em livros, que Che já exercia sua atuação carismática na vida real muito antes de tornar-se um ícone na morte e de uma imagem hipnótica de arte pop, num pôster da era de Andy Warhel.
Comentou: “como Helena de Troia, exercia um fascínio pelo qual as pessoas morreriam. Em Havana, naquela tarde quente de outono, encontraram-se num banco, num canto do jardim da embaixada, e todos se uniram à sua volta. Apresentações foram feitas e a conversa fluía”.

O jovem repórter de então não se lembra do que se discutiu. Era apenas um jornalista neófito, de pouco conhecimento, ainda menos de espanhol, atraído como mariposa para Cuba daqueles anos – como centenas de outros rebeldes aventureiros da Europa e das América – pela chama incandescente da Revolução. 

Atravessava-se um momento difícil para os que, comandados por Fidel, havia chegado do México. Ainda o livre-pensar revolucionário era permitido em Cuba. “A arte abstrata floresce de maneira que faria Kruschev tremer e o filme ‘La Dolce Vita’ é exibido pelas salas cheias de Havana. O futuro da Revolução parecia largamente indefinido, páginas brancas a serem escritas”. 

Trinta anos depois, o repórter, já experimentado, assistiu ao desembarque do corpo de Guevara, em 1967, quando já tivera fim à associação romântica de pessoas com o movimento de Fidel. Gott escreveu: “como muitos outros, guardei a memória do meu entusiasmo inicial pela Revolução, bem como uma afeição duradoura pelo povo cubano e sua luta desigual e um interesse contínuo pela longa história da ilha”. 

Ché conquistou admiradores e enfrentou adversários em mais de um continente, e Mário Vargas Lhosa adverte para a criança asmática que nasceu de família modesta e teve de deslocar-se para aqui e ali para vencer as mazelas da enfermidade. Lhosa demonstrou até certo entusiasmo por sua personalidade em determinadas circunstâncias, sem perdoar determinados erros.

Para conhecerem o “milagre cubano”, Sartre e Simone de Beauvoir foram à ilha e passaram alguns dias. O famoso fotógrafo Alberto Korda tirou, então, muitas poses de Fidel e de intelectuais, mas o que se perenizou foi a de Che, tirada de baixo para cima, ele olhando ao longe com uma incrível aparência de dor e determinação. Formou-se o mais famoso retrato de Guevara, reproduzido por todo o século 20. 
 

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