Com ciência para mudar o Brasil

04/10/2017 às 16:47.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:04

 O desmonte do Estado brasileiro, após o golpe de 2016, chama a atenção do mundo. O quadro é tão grave que, no fim da semana passada, um grupo de nada menos que 23 cientistas ganhadores do prêmio Nobel, representando vários países, escreveu uma carta ao presidente Michel Temer criticando “um corte de um nível de mais de 50%” no orçamento destinado à Ciência e Tecnologia, o que, para eles, compromete seriamente o futuro do país. De acordo com o documento, “esses cortes vão danificar o país por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa renomados e um êxodo de cérebros que vai afetar os melhores jovens cientistas”.

Um dos primeiros atos do ilegítimo presidente ao tomar posse foi a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que foi incorporado à pasta das Comunicações. A fusão foi seguida de outros golpes: fim do programa Ciência sem Fronteiras na graduação, corte de quase 50% do orçamento para C&T, PEC do Teto, contingenciamento das bolsas de pesquisa e formação, entre outras medidas duramente criticadas pela comunidade científica.

Quando ainda era estudante de Medicina na Universidade Federal de Juiz de Fora e também como presidente da União Nacional dos Estudantes tive a oportunidade de participar de todas as reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) naquele período. Em julho último, coube à Universidade Federal de Minas Gerais abrigar a última edição desse que é o maior evento científico do hemisfério sul do planeta.

Fui o mediador de um debate sobre a inovação tecnológica no país e pude ver de perto as inquietações que movem a imensa maioria de nossos cientistas e pesquisadores. O clima de esperança que permeava nos eventos em meus tempos de estudante foi substituído pelo desespero. O ataque que a produção científica brasileira sofre compromete profundamente nosso futuro, principalmente a nossa soberania.

As instituições federais de ensino, que são os principais celeiros de ciência no país, são as que mais sofrem com a política do governo de sucateamento do setor. Os contingenciamentos dos investimentos vêm imobilizando expansões, paralisando obras e ameaçando a quitação de dívidas com fornecedores e prestadores de serviços já realizados. Por ser o estado que mais abriga os estabelecimentos federais, presentes em 95 cidades, Minas já sente na pele o desmonte. Se não houver uma reversão do quadro, poderemos vivenciar a triste realidade de ver o fechamento de alguns centros de ensino.

Na Universidade Federal do Sul da Bahia, uma entre dezenas de outras universidades criadas durante os governos do presidente Lula, o reitor Naomar Almeida Filho pediu exoneração do cargo. Em carta divulgada na última segunda-feira, o dirigente explica alguns dos motivos do seu afastamento do cargo: “O desmonte da universidade pública e os cortes orçamentários promovidos pelo governo Temer”.

Impossível falar em universidade e não citar uma tragédia que impactou a todos os militantes em favor da educação pública brasileira e da ciência nacional: o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier. Ele foi vítima do estado de exceção inaugurado no bojo do processo golpista instalado no país. As ações espetaculosas da Polícia Federal, com participação do Ministério Público Federal e do Judiciário Federal, fizeram mais uma vítima. Cancellier foi submetido a uma prisão arbitrária, humilhado e impedido até de entrar na universidade que era considerada seu próprio lar.

O título do artigo, portanto, não é mero trocadilho. Apenas com a retomada da valorização de nossas universidades e institutos de pesquisa, ou seja, com ciência, é que elevaremos a consciência política de nosso povo para impedir o desmonte de nossa nação e recuperar o Estado Democrático de Direito.

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