11 segundos

01/07/2016 às 19:24.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:08

A jogada é uma velha conhecida dos atleticanos: o atacante dá um passe para atrás, na saída de bola (no primeiro ou segundo tempo, dependendo do que a moedinha do árbitro apontar) e alguém, com um pé calibrado para lançamentos, enfia lá pra o Léo Silva, a essa altura já próximo da área adversária, pronto para ajeitar, soberano, de cabeça. 

Se tudo der certo e a pelota seguir o rumo imaginado, outro jogador passará em velocidade e, se este não entrar sozinho na área, irá tocar para um companheiro melhor posicionado. De 2012 (se não falha a memória) para cá, essa jogada ganhou vários personagens, com Ronaldinho Gaúcho, Jô, Luan e Giovanni Augusto. A única peça ainda presente é Léo Silva.

Passaram-se vários treinadores, mas nenhum deles se atreveu a tirá-la do repertório, sabe-se lá porquê. Da época de euforia da conquista da Libertadores, em 2013, além de alguns remanescentes, a jogada parece ser o único elemento que permaneceu, a princípio reivindicando algo que já tinha se perdido no tempo e no espaço, surgindo como vaga lembrança.

Confesso que nunca achei que iria dar certo e, na partida anterior, contra o América, cheguei a pensar se, de tão manjada, não seria melhor escolher outra, ideal para pegar o rival de surpresa. Um desperdício, conclui. Mas agora, depois do que aconteceu no Mineirão, aos 11 segundos do primeiro tempo, acredito que ela estava esperando os seus verdadeiros protagonistas.

Assim, entrou para a história após Robinho tocar para Erazo, que lançou para seu companheiro de zaga cabecear e encontrar Fred, autor de um belo movimento, ao ajeitar de calcanhar, de primeira. O destino final foi Cazares, ágil e atrevido como sempre, que venceu dois marcadores e chutou para gol. O mais rápido do Atlético em Campeonatos Brasileiros.

No mesmo Mineirão que recebeu as campanhas vitoriosas da Libertadores, há três anos, e da Copa do Brasil, em 2014, o Atlético ressuscita Chronos, deus do tempo oportuno na mitologia grega, capaz de estender a sensação do passar dos minutos para que algo de especial aconteça, como a cabeçada de Léo Silva, nas últimas voltas do ponteiro, durante a decisão continental.

O responsável por essa evocação não poderia ser outro que não o equatoriano, que carrega na camisa o mesmo número de segundos que a bola levou para, com alguns poucos toques, vazar o goleiro Sidão. A troca de passes foi precisa, como o relógio de Greenwich, e afinada como uma orquestra, com cada instrumento entrando no momento certo.

Se estivéssemos diante de um espetáculo de balé, diríamos que foi ensaiado, junto com o grupo adversário. No cinema, seria como aquelas imagens que enchem a tela, em cinemascope, com uma câmera em ângulo mais aproximado, acompanhando a lenta trajetória da bola até chegar à cabeça do zagueiro-artilheiro, depois perfazendo um ziguezague na área botafoguense.

É essa beleza que o atleticano sentia falta. Não importou os gols tomados. Quando o jogo se encerrou, todos ainda pareciam inebriados com aqueles 11 segundos, tão perfeitos quanto o aproveitamento de Cazeres no campeonato: em seis jogos, foram seis gols. Agora me apego a Hígia, deusa da saúde e da sanidade, para que nenhum furúnculo ou coisa que o valha tire esse gênio de campo.

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