Em Brasília para acompanhar um festival de cinema e um pouco desanimado após ler a entrevista de Marcelo Oliveira, no final do clássico, que o foco do Atlético era o Campeonato Brasileiro, só me preocupei em olhar o placar do jogo contra a Ponte Preta no fim de uma das sessões. A partida já estava nos 35 minutos do segundo tempo e o Galo perdia por 2 a 1. Desliguei e só fui saber do resultado no hotel.
Acordei o meu pai, li todas as matérias com comentários do jogo e fiquei madrugada adentro para ver a reprise, ainda sem acreditar (olha que paradoxo) que o espírito do “Eu acredito!” havia retornado, após mais de nove meses de espera. Não me lembro de outra partida nesse ano em que o Galo conseguiu igualar ou fazer a virada com dois gols de diferença – vide os confrontos com Grêmio, Flamengo e Santos.
Era exatamente o que faltava à equipe de 2016: reencarnar o mantra que empurrou o time em 2013 e 2014, quando o impossível só parecia um detalhe, um capricho desfeito depois de 90 minutos. A cada jogo, o grupo se desafiava mais e mais, protagonizando viradas históricas, guardadas para sempre na memória. É esse o Atlético que a torcida aprendeu a gostar, não importando o sofrimento.
Esse Atlético era real, por mais que evocássemos seres mitológicos para explicar tanta magia e poder de superação, porque representava a vida, não a vida do atleticano somente, pautada pela expectativa, pela dor e pela recompensa depois de um trabalho árduo, intenso. E não deixa de ser curioso que tenha acontecido justamente enquanto estou em Brasília, terra do surreal.
Tudo começou a fazer sentido para mim quando vi o nome de Dátolo como um dos responsáveis pelo gol de empate, após cobrar um escanteio fechado, um quase-gol que obrigou Aranha a se espichar todo e deixar a bola nos pés de Robinho, que não tem desperdiçado oportunidades tão claras. Dátolo está desde o segundo semestre de 2013 no Galo, mas seu nome está fortemente vinculado à Copa do Brasil de 2014.
Com Jesus na certidão de nascimento, Dátolo representa a parábola da volta do Filho Pródigo. Jogador identificado com o clube, ele tinha perdido a sua “herança”, às voltas com contusões e problemas pessoais. Quase retornou contra o Vitória, mas sentiu que não era o momento. Entrou em campo quarta-feira para definir a classificação atleticana numa curva, na trajetória parabólica feita pela bola.
A torcida sente esse momento especial, a volta do “Eu acredito!”, como mostra a recepção no aeroporto de Confins, no dia seguinte. Ele só não pode se resumir a um jogo, a um lampejo. Essa é a receita para vencer o Juventude, que, por estar disputando a série C, seria uma espécie de azarão, o adversário mais fácil que o Galo poderia pegar, desviando-se de Corinthians, Palmeiras, Santos e Cruzeiro.
Como o próprio Juventude deixou claro em suas redes sociais, somos mais um gigante na trajetória deles – já haviam abatido o São Paulo, que nos tirou da Libertadores. Mas não custa lembrar de outra passagem bíblica, a de Davi e Golias. Davi era um rapaz, de muita juventude, e derrubou Golias, o gigante, com uma simples pedra. O Atlético não pode entrar de salto alto e topar com uma pedra em seu caminho.