Quero raiva e vergonha, no time todo!

20/12/2016 às 13:52.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:09

Nunca vi ninguém com a camisa do Aquaman. Lembro do desenho animado, que passava de manhã na TV em minha época de garoto, mas depois disso nunca mais ouvi falar do herói aquático até a DC Comics e a Warner Brothers anunciarem um filme com ele (afinal de contas, poderosos de segunda classe como Deadpool, Dr. Estranho e Homem-Formiga já ganharam o seu), previsto para 2018.

Mas foi num livro de auto-ajuda, “A Força Boa do Lado Obscuro”, abandonado sobre uma estante da redação, que fui entender a razão do desprestígio de Aquaman, que demorou mais de 20 anos para aparecer na capa de um gibi americano. De acordo com seus autores, o personagem está limitado por um universo estranho à maioria dos leitores mortais, que preferem um herói prendendo assaltantes e terroristas.

Quando foi lançado, nos anos 40, Aquaman se apresentou como alguém extremamente forte, porém embaixo d’água, sendo capaz também de dominar todos os seres marinhos, a quem recorria em seus embates contra piratas e submarinos nazistas. Não muito diferente do Atlético que vimos nesse ano. O jogo do Galo parecia ocorrer em outro plano que não o real, uma magia que não funcionava diante de adversários palpáveis.

O Grêmio, no papel, não é um supertime, mas foi eficiente em todos os setores. O que adiantava ter Robinho e suas pedaladas quando, do outro lado, estava a melhor zaga “destruidora” do país? É estranho dizer isso, mas o Galo sofreu em 2016 da síndrome de Clark Kent, uma ingenuidade incompatível com o nosso mundo. Por isso, o Superman é um herói sofrido, lutando eternamente contra a maldade.

O que o livro põe na balança é que não devemos deixar de lado esses instintos “terrenos”, prontamente rechaçados por uma visão positivista, de buscar estar sempre do lado do bem. Nessa perspectiva, o Galo foi campeão da Libertadores em 2013 porque tinha um jogador narcisista, exibido e malandro como Ronaldinho Gaúcho, capaz de fingir que está bebendo água para enganar o goleiro são-paulino Rogério Ceni e ficar perto do gol.

O clube voltou a reinar no topo do futebol nacional porque estava lidando como elementos negativos como culpa, humilhação e vergonha. Quis o destino que um elenco tão vitimado como o de 2013, com jogadores de talentosos, mas em baixa, precisando recuperar a auto-estima, tivesse sob o seu comando um treinador como Cuca, capaz de canalizar essa energia em prol de conquistas, pessoais e coletivas.

E a cereja no bolo, se podemos dizer assim, foi o fracasso no Campeonato Brasileiro de 2011, quando quase voltou à série B e levou uma goleada do arquirrival na última rodada. No ano seguinte, praticamente com os mesmos jogadores, o Galo foi invencível no Mineiro e caminhou com passos firmes no Brasileiro. Cuca soube trazer à tona coisas ruins e boas de cada jogador, que se juntaram à carência e à vontade dos torcedores.

O livro “A Força Boa do Lado Obscuro” tira exemplos do esporte para comprovar sua tese, citando um jogo de basquete do Los Angeles Lakers, que tinha o astro Kareem Abdul-Jabbar. O time estava completamente desconcentrado no primeiro tempo, com exceção de seu maior jogador. O que o técnico fez? Num ataque de fúria, Pat Riley gritou e jogou a bandeja de copos d’água em cima de Kareem.

Os demais se sentiram responsáveis por Kareem ter sido “castigado” pelo mau desempenho deles e, no segundo tempo, mostraram outra atitude em quadra. Ao se estancar a raiva, defende o livro, poderemos estar também perdendo a oportunidade de sermos felizes. Como num carrinho de Donizete, mesmo exagerando na dose, não há quem não bata palmas pela entrega e raça demonstradas pelo volante.

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