Time 'estragado'

16/07/2017 às 12:47.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:35
 (Bruno Cantini/Atlético/divulgação)

(Bruno Cantini/Atlético/divulgação)

Bruno Cantini/Atlético/divulgação / N/A

  

No toboágua em forma de pista de skate, em Fortaleza, perguntando-me o porquê de estar ali, meus pensamentos me levam à questão: o que nos faz heróis. Vejo minha filha lá embaixo, pulando à espera do papai arriscar o pescoço sobre uma boia, mas depois de acompanhar um garoto de dez anos, num outro brinquedo, descer o equivalente a um prédio de 14 andares, atingindo a velocidade de 105km por hora, definitivamente não me sinto como um Superman dotado de grandes poderes.

No futebol, goleiros viram heróis ao defenderem pênaltis decisivos. Zagueiros surgem no ataque para fazerem um salvador gol de cabeça. Já vimos esse tipo de cena espetacular com Victor e Léo Silva, dois dos remanescentes da conquista da Copa Libertadores pelo Atlético. Ultimamente, porém, os momentos de heroísmo são às avessas, proporcionando aos adversários instantes e placares de bravura e alívio. É como se encarnássemos o gigante Golias, pegos de surpresa em nossa vulnerabilidade.

Nada melhor para ilustrar que o confronto dos Atléticos, no mês passado. O Galo martelou o quanto pôde, desperdiçando inúmeras oportunidades diante do então lanterna do Campeonato Brasileiro, sem nenhuma vitória na tabela. A saída de Lucho González, expulso ainda na primeira etapa, foi um luxo extra: o gol parecia que aconteceria a qualquer minuto, bastando um daqueles ataques avassaladores. Em outros tempos, sabíamos que a desigualdade no número de jogadores era triunfo certo.

Afobados, os mineiros não souberam aproveitar essa vantagem. E, como se tivessem eles perdido um jogador, o futebol apresentado se acanhou. Veio o castigo, daqueles que todo torcedor detesta – levar um gol no último minuto, com Felipe Santana entregando uma bola de bandeja para Sidcley marcar. Lembrei-me da derrota no Independência em 2013, justamente para os paranaenses, no dia da despedia de Bernard, interrompendo uma sequência de 38 partidas sem perder no Horto.

Já nos instantes finais, o amarelado Bernard abriu o placar e foi comemorar com a torcida, tirando o uniforme para exibir a camisa “Uma vez até morrer”. Expulso, decretou a “morte” do time em campo: em dois minutos, o xará virou o placar, com a dupla Everton e Ederson. O Galo havia acabado de conquistar a Libertadores, o grupo comandado por Ronaldinho, Tardelli e Jô estava em alta e a cota de milagres já havia sido bem utilizada durante a campanha do torneio continental. Todo mundo já estava pensando no Mundial.

Agora, porém, o Atlético vive uma montanha russa. Ou melhor, um “vaikuntudo”, nome de um dos brinquedos no parque aquático. Na propaganda, dizia “prepare-se para ver o parque de ângulos que nunca imaginou!”, ao rodarmos num funil gigantesco. Só consegui me ver num ângulo de 90 graus, quase caindo sobre a Beth do outro lado. Xinguei como nunca tinha xingado num jogo do alvinegro, arrancando espanto e risada dos familiares. Cada um tem uma reação diferente no momento de perigo.

A reação do Galo 2017, diferentemente do time das viradas, é de pane total, principalmente quando tem alguma espécie de vantagem. Diante do Botafogo, no Engenhão, pôs os cariocas nas cordas. Marlone, sobre quem já tínhamos perdido as esperanças, marcou um gol numa bola desviada de Emerson Silva, ex-Atlético. O mesmo Emerson cometeu pênalti, interceptando com o braço uma bola cruzada de Rafael Moura, fazendo do zagueiro até aquele momento o grande vilão do jogo, botando por terra a teoria do “ex”.

O próprio atacante atleticano pegou a bola, mas desperdiçou a cobrança, esbarrando na defesa de Jefferson, em sua volta aos campos após 14 meses parado. Cazares e Robinho perderam outras chances de ampliar o placar e lá veio o castigo, novamente no apagar das luzes. Aos 47, de zagueiro para zagueiro, Matheus Mancini devolveu a gentileza e fez pênalti. Victor repetiu a façanha de Jefferson, mas deu o azar de a bola voltar nos pés do cobrador, Roger, que emendou de primeira para as redes.

O Atlético parece perder as forças completamente depois dos 40. Tenho 43 e sei bem o que é isso ao sentir os meus órgãos internos revirados e sair do toboágua com as pernas bambas. Voltei da praia correndo (dizemos trotando nessa faixa de idade) para assistir ao jogo contra o Santos. Pensei que estava vendo uma reprise. Duas defesas de pênalti, uma de cada lado, e o adversário com um jogador a menos – o goleiro Vanderlei estava apenas fazendo número embaixo do travessão, sem condição nenhuma de pular numa bola.

A torcida passou a gritar “chuta! Chuta!”, mas o Galo fez exatamente o contrário: zero bola foi em direção ao gol. E, claro, o ingrediente seguinte foi o já clássico castigo, com um gol de falta aos 48 minutos. No dia seguinte, um motorista cearense, querendo ser cortês e interessado nas coisas de Minas, me disse, na volta do parque, que o Atlético é um time “estragado”.  Em “cearencês”, estragado quer dizer alguém cheio da nota, que gasta muito, esbanjador. Só se estiver gastando ao jogar a sorte fora.

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