A arte de engolir sapos

29/11/2017 às 21:51.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:57

Antônio Álvares da Silva*

Os gregos viam a política como a arte de governar as cidades. As classes nobres eram encarregadas desta bela missão: prover a cidade de tudo que era necessário, desde a administração até os muros de defesa contra o inimigo. Como toda administração exige uma atividade organizada e finalística, os gregos agiam para tornar a cidade ( polis) um lugar seguro, aberto, ordenado, pronto para a guerra e para a paz. Era o que se chamava política.

O conceito evoluiu no tempo. Passou por Roma e Idade Média e chegou aos tempos modernos com a notável evolução técnica e social, que caracteriza o mundo atual. A política nunca abandonou o homem nesta longa caminhada. Estabelecida em núcleos a que se chamou cidades, a humanidade se dividiu entre o Estado, que exige o esforço de todos, e a vida privada, como expansão da liberdade de cada um. Hoje, cada Estado, mesmo depois da globalização, ainda é uma nação politicamente organizada. E continua navegando pelo tempo em busca de dias melhores.

A política, como ciência e arte, acompanha o homem, provendo-o do que precisa e exigindo dele uma atitude permanente de trabalho e moralidade. Ela serve ao homem e se serve dele, numa simbiose necessária e construtiva. O homem é um animal político e social, conforme soa até hoje a lição de Aris-tóteles. Mas a política se dividiu em duas: uma como técnica de governo e poder; outra, como política partidária. Aqui temos seus agentes, os “políticos”, que atuam através de partidos que deveriam ser proposta de diferentes grupos e facções para assumir o poder.

Mas o que se vê na realidade? Em sua maioria, pessoas desonestas, à busca de eleições, postos e prestígio, pouco importando se arranham ou mesmo sufocam a moralidade pública, dever de todo cidadão. Buscam o poder a qualquer custo, e não têm limites nesta ação. Já se disse que os políticos podem tudo, até mesmo ser honestos e virtuosos.

A cena política que vivemos nestes dias enfraquece a crença do cidadão nas instituições que representam e governam sua vida. Eis uma breve síntese da contemporaneidade: Dilma Rousseff foi eleita presidente. Bem ou mal assim quis o povo, em procedimento eleitoral legítimo. Como tem acontecido em nossa história política, quem perde a lição nas ruas quer ganhá-la no tapete das instituições a portas fechas. Deram o golpe jurídico na presidente. Por motivo insignificante, arrancaram das mãos do povo a escolha livremente manifestada no voto popular.

Veio o vice-presidente que participou do processo de deposição. Assumiu sem legitimidade o poder. Agora, governando crises e abafando rebeliões partidárias, tenta empurrar mar a fora seu barco já perto do naufrágio. Para salvar-se do impeachment, esvaziou os cofres públicos. Comprou sua sobrevivência e agora, como um equilibrista sobre cordas, tenta a salvação de seu governo. Prova na carne o veneno que inoculou nos outros. Governo e quadrilha passaram a ser duas palavras sinônimas. Assim está na imprensa diária. Se chegar ao fim, estará aos farrapos. Perdemos o tempo político da boa administração de que tanto carece o país. E para este tempo não há recuperação.

A única ressalva é a operação lava jato que encheu as cadeias públicas com quem já deveria estar lá há muito tempo. O Judiciário brasileiro, com todos os seus defeitos, que um dia haveremos de ver corrigidos, prestou um serviço histórico inegável ao país. Este mérito, o futuro jamais retirará dele.

Precisamos agora arrancar o país do abismo em que se mergulhou. Recomeçar brandindo os instrumentos da democracia: instruir o povo, para que saiba escolher. Colocar as pessoas nos lugares certos, para que o sistema funcione. A única receita para o caos é saber que ele pode ser consertado, se a ele emprestarmos um pedacinho de nosso esforço. Precisamos de mais democracia para tudo: nas instituições, nas universidades, nos governos, junto ao povo.

Política não consiste na arte de engolir sapos, mas na visão altruística de melhorar as coisas com gente capaz e séria. Não é possível esperar mais. Está na hora de começar a luta.


*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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